quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Ensaio

A ficha caiu, o tombo rolou. O escombro do tempo que passou, e que passa, sem mais, nem menos. A água que forma o granizo gritado na furiosa queda da tempestade pode ser a mesma contida na melancólica lágrima que cala, suave, as palavras não ditas, de um extremo ao outro. As duas coisas, as mesmas coisas, como o início e o fim. 

A vida se cala no peito inanimado pela falta do tonus, que se esvai ao final dos sonhos que dão lugar ao mundo real. O mundo real, que de real não tem nada que possa ser tocado por este lado, a não ser pelo pensamento. Se é que alguém pensa nisso. Se é que alguém se lembra, depois, como era o antes, quando a vida ainda pulsava nas veias.

Não, ninguém se lembra de como era, a não ser de vez em quando, que é quando chega a saudade, sorrateira, sem sorrisos, matreira. Não, ninguém se importa até que chegue o momento de deitar-se no mesmo leito, para enfrentar o mesmo momento que todos, um dia, hão de enfrentar. O momento inadiável, a regra inabalável. O fim.

Ou o começo, tanto faz, quanto fez. Quantas vezes for preciso. Quantas vezes foi preciso antes dessa, e quantas ainda serão? As perguntas nunca se calam, mas as respostas perdem suas vozes dentro de passados tão distantes, de histórias tão distintas, caminhos tão errantes.

Tudo isso serviu para alguma coisa?

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A ampulheta e o cavalo

Se está tudo errado, então é hora de fazer o certo. Mas não é confortável fazer o mais difícil, quando o mais fácil é tão fácil. Ainda mais nas grandes cidades, cheias de atalhos para qualquer hora do dia, ou da noite. Está tudo nas avenidas, nas ruas, nos becos. Os labirintos das favelas, os jardins dos condomínios. Tudo o que existe aqui, existe de ambos os lados das grades. Como nós, a nossa obra, o nosso orgulho. Nosso egoísmo.

Mesmo com tudo estando tão errado, quase não se vê quem está fazendo o certo. Porque o certo, certamente, não aparece tanto, já que é feito nos silêncios individuais. Os silêncios dos poucos que se calam diante das calamidades que deformam o bom caráter. Os poucos que olham para dentro, ao invés de olhar para fora, cheios de coragem considerada covarde pela imensa maioria. Uma maioria que treme de medo dos espelhos.

Há monstros nos espelhos, há conteúdos nos vazios, mesmo nos que parecem mais vazios. E são esses os que mais assustam, pois isolam-se em sono insone. Amontoados, amedrontados pela quietude abrasadora das Verdades que tanto tentam mascarar atrás das máscaras de si mesmos. E, como todos, eu também tenho uma máscara de mim mesmo. E também há monstros nos meus espelhos. E eu também prefiro os atalhos.

Mas mesmo que continue tudo errado, decidi que vou fazer o certo. Não sei quem vai ajudar, se é que alguém vai se dar a este trabalho. Não sei o que farei, nem sei por onde começar. Mas já não quero mais fazer parte do erro, eu quero ir para o lado do acerto, mesmo que apareçam muitas contas a acertar. Pois se eu não acertar agora, então é melhor me retirar. Porém não é isso o que eu quero, porque sinto que não é isso que vim fazer.

E, já que está tudo errado, tentar fazer o certo pode ser que dê certo. Porque, às vezes, é no retorno que está o caminho certo. Mas parece ser hora de se apressar, porque é visível que muito tempo já foi perdido. Muito, muito tempo, muita vida, muita gente. Muito vai e vem. O tempo, agora, pressiona em urgência. Não tem mais paciência, pois suas areias vão escorrendo. E o cavalo quer correr, mas só poderá quando puder.

E, até lá, só nos resta tentar fazer o certo.