sexta-feira, 22 de maio de 2009

Fragmento

Quando o tempo se transforma no pó que incidentalmente cobre as nossas memórias, quando nossas memórias já se fazem amareladas e recebem poucas visitas. Quando os vidros nas janelas assumem aquela aparência opaca e leitosa. Quando o sussurrar do vento embala o sono da idade. Quando tudo isso acontece, num belo quadro de óleo e conflitos, nos tornamos o que somos.

Despimos as vestes e armaduras que imaginamos ao nosso redor. Nus ao luar, tensos ao vento da madrugada, verdadeiramente simples de coração e mente. Um resumo de todos os sentimentos que se infiltraram em nossos possíveis espíritos durante nossos curtos dias. Contorcidos em dores e sorrisos, lágrimas de pura alegria ou sombrio desespero, no espelho à frente somos novamente, finalmente, apenas pequenas criaturas indefesas buscando algo Maior, que explique a Essência dessa confusão que respiramos.

Nus, nos tornamos humanos. Apenas uma espécie de animal que habita neste planeta, mas que não sabe mais habitá-lo. Sem a proteção de nossas barreiras imaginadas somos pele, osso, tormento, felicidade. Sem muros e grades, somos tudo que poderíamos ser: somos a nossa própria natureza.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Rotina, rotina

Não existe nada mais voraz do que a rotina, que nos envolve silenciosamente em tramas que se entrelaçam com as nossas realidades, fingindo-se inocente como um bocejar pela manhã. Ao cercar-se de sua vítima, ela sussurra palavras reconfortantes ao final dos dias cansativos, fazendo perceber como é relaxante fazer sempre as mesmas coisas, cumprir o mesmo ritual, todos os dias.

No começo são alguns dias, depois semanas, meses e anos. E os anos passam, a fio. A fio de navalha, cortantes, ceifando os raros anos de vida com que somos brindados no início. Início... qual é o início? Quando foi isso? Realmente houve um início? E ao som de rápidas lâminas se esvaem os nossos anos de existência, resumidos num mantra incansável: cama-banho-roupa-café-trânsito-trabalho-trânsito-lanche-banho-cama...

E você se deita na cama e quer pensar no que fará amanhã... mas amanhã, no que será diferente do que foi hoje? Ou ontem? Qual será a diferença que esse dia fará em nossas vidas? Pode ser que amanheça chovendo, então será algo diferente. Ou pode ser que haja uma passeata para atrapalhar o trânsito. E isso irrita... como é irritante quando tentam nos impedir de alcançar todos os estágios de nossas rotinas!