segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Um dia isso vai mudar (?)

Existe um abismo que nos separa daquilo que mais queremos. E este abismo se abre dentro de nós mesmos, alimentando-se de nossos temores.

Os mundos em que vivemos geralmente orbitam distantes dos mundos que mais desejamos conhecer, pois nossa natureza ainda é dominar e destruir.

As palavras que dizemos soam como aveludadas notas musicais ou sibilam como pequenas adagas dependendo do quanto nos sentimos adulados.

Nossa capacidade de ajudar está condicionada àquilo que pensamos ser possível obter de volta, já que o desinteresse é por enquanto apenas um exercício.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Guerra do mundo

O mundo se movimenta em formas de sombras e cores, luzes, som, silêncio e vazio. O mundo está habitado, está repleto, em constante transformação. O mundo vai sobrevivendo, respirando com dificuldade, tomado por violentos choques de ira para depois amanhecer em beleza resplandecente. O mundo se divide em cordilheiras e se esconde em profundezas abissais, e na ausência total de luz se recria para com glória e poder voltar à superfície clamando por respeito e homenagem. O mundo se cala no fim da tarde e sopra seus ventos suaves em campos intraduzíveis, tinge de dourado todas as outras cores como se um de seus pincéis fosse o mestre para todos os outros. O mundo baila no vazio da matéria sutil, atraído e repelido ao mesmo tempo por seus irmãos, tão belos e majestosos quanto ele mesmo. O mundo levou anos sem conta para se vestir de azul e se tornar nossa única morada, num trabalho hercúleo, onde sacrificou-se vezes sem conta para poder renascer e se tornar perfeito. Um trabalho incessante que mesmo agora está em curso, em curso constante, pulsando com força inabalável sob os nossos pés e mostrando que embora esquecido e desfigurado ele se mantém firme em seu propósito de nos sustentar.

Ele é apenas um, pequeno grão de areia em meio a um todo que é tudo e ainda se expande. É apenas uma pequena amostra do que pode ser encontrado lá fora. Pequeno, singelo, frágil e ao mesmo tempo colossal, parte de um sistema físico e químico, parte de nós, parte de tudo, tudo para nós que não podemos ir além dele. Ele habita em nossos sonhos e realidades, faz parte da nossa rotina, é alvo de nossas grandes ambições de sermos grandes, maiores que ele e todo o resto. E mesmo assim todo o resto ainda se mantém tão distante que só podemos alcançar em sonhos. O mundo não se ressente de nossa falta de interesse, ele se dispõe e nos oferece moradia segura, porto seguro. Nos satisfaz a fome, a sede, mas embora grandioso, não é capaz de satisfazer nossa ganância. O mundo sobrevive a nós e se mantém firme no propósito de se manter em equilíbrio com seus semelhantes, para não desestabilizar o todo, porque isso seria muito prejudicial para tudo e para todos. O mundo se mantém, por pura bondade, pois foi criado em bondade e inteligência, uma inteligência que não conseguimos dimensionar tal a engenhosidade e enormidade dos mecanismos em movimento que testemunhamos, cálculos complexos dos quais também somos frutos.

As certezas

Quando existe a certeza da despedida, e toda despedida traz sua carga de pesar, surge aquele aperto estranho no peito, a saliva não desce pela garganta. A respiração foge um pouco do controle. Saudade antecipada.

Quando existe a certeza da despedida pode ser que seja possível estar preparado e não deixar rolar uma lágrima. Talvez olhar nos olhos de um jeito disfarçado, fingindo que por dentro o vazio já está preenchido e bem costurado.

Quando existe a ausência é que realmente pensamos nos valores de certas coisas. E muitas vezes as menores coisas são as mais valiosas. É como quando as crianças choram por sentir sono quando desejam tanto ficar acordadas. Apenas para ficar mais um pouco conosco, apenas para sentir mais meia hora de felicidade. E nós, muito adultos, pensamos que elas apenas querem brincar... Como se brincadeira não fosse coisa valiosa. E pura.

E quando existe a certeza do retorno fazemos planos para que tudo funcione com perfeição, limpamos tudo, arrumamos a casa, vestimos uma roupa bonita. Vamos ao supermercado, compramos até frutas e legumes. Pensamos até em cozinhar.

Quando existe a certeza do retorno todo aquele tempo de saudade e certa tristeza deixa de existir num piscar de olhos. Pode ser que brotem lágrimas, pode ser que a saliva não desça pela garganta, talvez o nariz comece a escorrer.

Pode ser que a respiração fuja um pouco do controle.

E num abraço apertado pode ser que enterremos meses de tristeza para poder viver pelo menos um dia de felicidade.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Pedras no travesseiro

Buscamos aquilo capaz de nos lançar de volta ao momento em que erramos, para que nos seja possível corrigir o erro e não sentir mais o peso da culpa. Buscamos a resposta que não está em livros escritos por mão humana. Buscamos o conforto que tínhamos na presença daqueles que já não estão mais aqui. Buscamos evitar aquilo que não se pode evitar, de que não se pode fugir.

Usamos nossas capacidades para esconder nossas fraquezas sob grandes obras. Usamos todos aqueles que nos cercam para atingirmos nossos estranhos objetivos. Atormentamos aqueles que só querem a paz e ignoramos nossos verdadeiros inimigos. Perseguimos a verdade fazendo uso de mentiras. Tiramos as vidas de outros e também ousamos tirar nossas próprias vidas.

Estamos sempre decidindo o que é melhor para nós e o que é melhor para os outros, sem dar aos outros as mesmas oportunidades. Estamos deitados no berço esplêndido da soberba, que nos proporciona o agradável sono da ignorância. Fechamos os olhos diante dos espelhos. Damos muita importância ao pouco que ganhamos, e pouca importância a tudo que perdemos.

Fazemos o que podemos para esquecer o dia anterior apenas para fazer o mesmo dos dias que virão. Tentamos preencher nossos vazios com coisas imaginárias e nos impedimos de imaginar que tudo isso nos faz tão mal. Estamos cientes de nossos erros colossais, de nossas grandes injustiças, e sofremos ainda mais por não nos imaginarmos capazes de perdoar a nós mesmos.

E embora pareça o contrário, isso tudo não nos permite dormir tão tranquilamente...

Auto-(des)ilusão

O tempo que nos degola com seus dedos invisíveis, o trabalho que vai além dos nossos horários e capacidades, o ciúme que atormenta nossos amores, as traições das quais fazemos uso para dar um passo adiante, o descaso com que tratamos aqueles que não têm o que temos, o vazio de nossas reflexões, os complexos sobre nossos ombros, a falta de bom senso na busca por momentos felizes.

A violência que existe em todos nós, o desrespeito a tudo o que não nos agrada, a pouca vergonha que temos em admitir que preferimos ter a ser, as mentiras que cultivamos, as espécies que extinguimos, os valores que distorcemos sob o peso de nossa ganância, o absurdo valor que damos ao dinheiro, o medo que temos de nos olhar nos espelhos que refletem nossas almas, o medo que temos da solidão.

A natureza que não se adapta a nós, que nos fere, que destrói nossa criação. O tempo que não muda, a chuva que não chega, a estiagem que atrasa, a erosão que atrapalha. As sementes que não germinam, as pragas que se espalham, a poluição que nos faz adoecer. As vozes que se calam diante das brutalidades que cometemos, os abusos que dificilmente conseguimos evitar.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Absurto

Não acho que precisemos nos preocupar com o inferno quando deixarmos de existir aqui. O ideal é tentar sair do inferno com menos tormentos do que tínhamos quando chegamos.

Difícil digestão

Os momentos de carinho e afeto que tivemos são testemunhas de como nos esmeramos para evitar o certo fracasso ao qual estamos fadados desde que nos tornamos incapazes de amar verdadeiramente. Amor e possessão são tão conceitualmente diferentes quanto são iguais perante a nossa muda ignorância. E, uma vez após a outra, experiência após experiência, cometemos os mesmos deslizes, seduzidos pela possibilidade de manipular aqueles que escolhem estar ao nosso lado.

Mais do que vivemos ou sentimos, a importância maior é sempre o que temos e conseguimos manter. Tratamos a nobreza dos sentimentos com a mesma praticidade com que escolhemos peças de roupa no dia a dia. Trocam-se as pessoas, mudam-se as situações, vão-se os anos e o resultado é sempre o mesmo. Parece então muito lógico que não são estes os fatores que determinam os erros. Parece claro que os erros advêm de nós mesmos, já que todo o restante se alternou.

Mas, ao mesmo tempo em que tudo isso parece muito esclarecedor, trata-se apenas de discurso vazio, pois não nos foi ainda possível encontrar a fórmula ideal para escaparmos da inevitabilidade do erro. Todos nós, quase sem exceção, caminhamos pelas mesmas trilhas, tropeçamos nas mesmas pedras e pisamos as mesmas pegadas. É apenas em momentos de profunda reflexão que conseguimos admirar a grandiosidade de nossos enganos. Nesses raros momentos, nos perdoamos.

É certo que vamos continuar o mesmo caminho, reformando muito lentamente nossa construção interior. É certo que eras se passarão até que nos seja possível assimilar naturalmente os resultados de nossos momentos de reflexão. E também é certo que esse passo adiante será irremediavelmente dado por cada um de nós, no tempo certo.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Escolhas

As escolhas que fazemos erguem-se como muros ao nosso redor. Alguns baixos, outros altos a ponto de nos jogar de volta ao chão. Alguns protegem, outros seguem na contramão: expõem. Alguns cedem sob o peso de nossos desvios de caráter e falta de bom senso, outros tombam diante dos golpes desferidos pelos inimigos. As escolhas que fazemos nos trazem aqueles que queremos ao mesmo tempo em que nos afastam de nós mesmos.

As escolhas que fazemos influenciam tudo o que nos cerca. Acontecimentos e pessoas tornam-se meras reações, resultados. Uma escolha demanda cuidado e reflexão. Muitas variáveis podem advir de qualquer pequena mudança de pensamento. E essas variáveis podem nos surpreender e nos desarmar. E então nos sentimos nus e desprotegidos, pois somos colocados do outro lado de nossos muros, como se diante do pelotão de fuzilamento.

Mas o ato de escolher não pode ser tolhido, é uma força que deve nascer de alguma Lei Natural que simplesmente não pode ser refreada por nosso insignificante desejo. Nossa única opção é obedecer a este comando invisível e tentar fazer o melhor que podemos. É inevitável que em algum ponto do tempo surjam frustrações, arrependimentos, angústias e apenas algumas poucas alegrias. É como estar numa sala de aula aprendendo uma lição incessante.