Nos sonhos reside o real, vestido de névoa fluída, aguardando o final. Ansioso pelo início preciso, já vem pronto e conciso. De todos os passos, deseja só o primeiro. Deste ponto em diante, seu caminho é certeiro.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
Peso pesado
A rotina do exagero é o que se joga fora todo dia: é o lixo na calçada, é a fumaça no céu. É a briga por um nada, gente invisível fazendo escarcéu. É tudo rejeitado, a testemunha sem seu véu.
O exagero da rotina é a luta pelo mesmo: é a mesmice da cegueira voluntária, é o passeio com o cachorro. É o calor desejado nas friezas do inverno, é o frio aclamado nos desesperos do verão.
O exagero e a rotina enamoram-se de todos. Dos que ficam, dos que fogem. Dos que bebem e dos que engolem. É a força da estática, a matéria do enfadonho. É o medo desse mundo tão estranho.
Jantar
Todas as luzes acesas, lembrando a ceia, a sobremesa. O copo cheio, a garrafa vazia, o aperto no peito, a louça na pia. O talher e o guardanapo, indiferentes à correria do dia. O dia que não vinha, mas veio. E se foi, como se estivesse a passeio. Como se viajasse no álcool, ou nos orifícios dos seios. Não importa como, simplesmente veio e se foi.
E deixou seus aromas no rastro, como se a vida fosse apenas isso de fato: chegada aguardada, despedida sentida. Proximidade esperada, distância aborrecida. A ida e a volta do cotidiano. Entra ano, sai ano. Tudo igual num ano diferente, e o vice-versa do ano igual. Tudo que começa bem parece que acaba mal. Mas isso é apenas o normal.
Silêncio só
O silêncio ainda espreita, com suas sombras sorrateiras, cheias de malícia. Ele ainda usa seus disfarces, como se fosse fácil manter-se no topo de tudo, durante todo o tempo. Insolente, petulante.
Mas sem o medo, o silêncio nada mais é do que ele mesmo: a ausência do som, ou o som bem baixinho, ruído de fundo, canto de pássaro. O silêncio não é ninguém sem sua turma. Inocente, repousante.
Meu elemento
O ar em movimento trouxe o alívio tão precisado, tão pedido, por tanto tempo. Tão sonhado, tão temido pelos diabos que se alimentam das horas que passam voando, e tão diferente de toda teoria que só a pratica é capaz de mostrar, em detalhe, o quão certa é a hora, e quão perfeita é a forma como tudo acontece.
O movimento que fez o ar tirou a poeira dos cantos, abriu de vez as janelas, deitou, enfim, as cortinas, limpou o céu como tela. Levou embora o mistério que quase nenhuma pista revela. Fez do velho algo de novo, algo que já se pensava impossível de existir entre tantas chegadas que se desmancharam em partidas.
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