sexta-feira, 29 de julho de 2011

É, chega...

Chega uma hora em que é preciso mastigar, ruminar até cansar, e entender, que nem tudo é pra você. Perceber que uma parcela lhe cabe, de alguma forma, em algum tempo, por algum motivo. Todos nós temos um papel, e é preciso desempenhar, ao invés de se esconder. É preciso ter o troco pronto, corresponder. Covardia tem limite, paciência também tem.

Chega uma hora em que o sonho não é sonho, e é preciso acordar, abrir os olhos, perceber a vida correndo nas veias. É preciso ter sangue nas veias pra remover as teias que confundem, as sensações que diluem enquanto vazam as razões. Vazam por vazar, por descuido, falta de uso, por muito uso, por todos os que usam de tudo para usar e abusar de tudo e de todos.

Chega uma hora em que é preciso abrir os olhos. Acordar.

Peça viva

Cantam as cordas, dançam os baixos, gritam os altos. Quando o silêncio agride mais do que o grito agudo, ou o grunhido contido, é hora do tiro, hora do salto. A rápida saída dessa saída abstrata de ausência que silencia a própria vida. Hora de rever o que foi visto desde o início.

Bambam as cordas, tropeçam os passos, corre o palhaço, morto de cansaço. O nariz na mão, a estampa sem pompa, o sorriso apagado. Apaga o picadeiro, desarma a balaustrada. É sempre bom o começo da estrada, mas cansam os buracos da paisagem.

A euforia da viagem favorece o viajante, quanto mais atrás, mais adiante. Vai e vem na onda do vento, brisa, fúria, dispersão. Vivemos suspensos nas certezas da lição. Vamos que vamos que a esperança não cai, não. Morre o palhaço e a palhaçada, mas não morre a encenação.

Perfume de noite dormida

Eu não sei se ontem tem a ver com hoje,  e se hoje tem a ver com amanhã, se é véspera de chegada ou de partida, se é apenas reminiscência inconcebível. Se é permitido ou impossível. Eu não sei se é ou não é, se fico ou se dou no pé. Só sei que é muito estranho do jeito que é.

Eu sei que tudo tem a ver, e que eu tenho a ver com tudo. Que tudo se parte, assim como tudo se liga. É a mágica que nos une a mesma que nos inclina. Talvez a acreditar nas coisas que não são de verdade, trocando as verdades por mentiras. O mistério da mágica, ninguém ensina.

Eu não sei se foi ontem, e se foi hoje, já não sei mais também. O que vem, vai embora e então volta outra vez. Parece o mar que não se cansa em mandar onda, enquanto lhe convém. Uma após a outra, por mim ou por você. Por todos, por ninguém. A mágica do mistério nos faz tão bem.

Fases

Sem mais nem menos, com pouco tato, chega a notícia tão esperada: somos culpados, mais que inocentes. Somos os loucos arrastando as correntes. Fazendo barulho, pra lá e pra cá. Somos adultos, que coisa incoerente. Tentamos de tudo, e quando somos... Não somos.

Não queremos ser. A infância é a melhor fase da vida. Mas que frase “preferida”, tão repetida. Nas festas, reuniões, despedidas. Não, definitivamente não queremos ser. Estamos cheios de si, e isso é muito si para os sacos que temos. Sim, perdemos as paciências.

E o tempo? O tempo galopa, célere, altivo, ciente do trabalho perfeito que conserta os defeitos, e deixa as coisas mais brandas. E ele ensina muitas coisas. Primeiro, que esse é apenas o primeiro momento. Depois as coisas ficam mais brandas, sob seus misteriosos encantos.

Mas a infância ainda é a melhor fase da vida.

Terreno instável

A vida vai pregando suas peças, uma por uma, no quebra-cabeças. De leve, com força, rápido, torturante. Temos muitos nomes para essas peças. Temos peças para cada nome, e cada nome significa alguma coisa para nós. Não falo por ninguém, apenas falo pela vida. E ela prega suas peças.

Lendas

Foge de mim, qual menina assustada, de susto em susto, na mesma toada, a resposta que eu quero. Eu pergunto e pergunto, às vezes mudo de assunto, mas sempre reluto em mentir à mim mesmo a mesma mentira que contamos aos outros: que somos, aos poucos, traídos pelos desesperos que nos causam as traições com as quais açoitamos a nós mesmos.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Condições

Estamos todos com os sacos muito cheios. São as tralhas que encontramos, e às vezes recolhemos, pior quando as guardamos. E nesses pesos tão pesados vivem tanto os inocentes quanto os condenados. Vivem as bagunças das famílias, as pessoas esquisitas. O bilhete premiado, o prêmio indesejado. Tem de tudo nesses sacos: pequenos micos, grandes sapos. E outros bichos que não queremos nem lembrar dos nomes, de tão chatos que eles foram.

Estamos todos com muitas coisas a fazer. Fazemos o possível com tantos mortos e feridos, exilados tão temidos. Reações exageradas, paixões desenfreadas. Tudo junto sobre os ombros, tão diferentes do que sonhamos em noites de outros tempos. E, às vezes, nem faz tanto tempo assim. Mas vamos andando na corda bamba. E, como segurança, apenas uma corda no pescoço.

Quatro e quinze

Do parapeito da janela dá pra ver a cidade, as pessoas, as luzes, as sombras. Dá pra ver os carros e os prédios. A euforia e o tédio. O movimento de tudo o que se movimenta, e de tudo que permanece estático. Estático por natureza, estático por necessidade.

De cima do telhado dá pra ver os pipas e suas linhas, que cortam como se fossem feitas de vidro moído. Dá pra ver a criançada correndo os perigos, nas vielas e avenidas, como se fossem nós mesmos diante da idade temida. Tememos a volta, mais que a partida.

De longe dá pra ver quão longe estamos do que está perto de nós. E dá pra ver que nós é que somos os cegos tentando desatar esses nós. Os nós que nós damos em nossas vidas, fazendo delas as rotinas que nunca mais nos deixam em paz.

Do paralelo desse mundo dá pra ver o quanto ainda engatinhamos, mesmo nos assuntos mais simples, pelo simples fato de estarmos presos a nós mesmos, desde o primeiro calendário.

Do espelho dá pra ver quantas tentativas já fizemos, enquanto nossos traços vão mudando, sofrendo os efeitos da física das rotinas. E não podemos desistir.

Poucos e muitos

Pouco importa se vivemos pouco. Vivemos apenas o tempo que temos que viver. E depois morremos. E sentimos medo, um medo irracional das palavras que inventamos para descrever as mudanças que sofremos. Pouco importa o que dizemos, porque nossas palavras mal traduzem nossa ignorância: dizem apenas o que sabemos. E isso é muito pouco, por mais que pensemos que seja muito. É quase nada. É nada além do que somos por dentro, em forma de palavras.

Muito importa se vivemos muito. Porque então aproveitamos bem o tempo que mal percebemos passar. E passamos a perceber que o futuro é agora, porque sem agora não existe futuro, somente passado. E paramos de morrer de medo de conjugar os verbos nos tempos corretos, com as pessoas certas, no singular ou no plural. Matamos o medo e vivemos o tempo no tempo exato, da forma que ele realmente passa, sem passar mal pelos que ficam ou ficar mal pelos que passam.

Ontem, hoje e sempre

O hoje é mais um caminho de ida nas voltas que damos em volta dos anos que vivemos ou deixamos escapar. O que escolhemos durante o intervalo entre o antes e o depois define o que será da próxima volta: se vai ou se volta, se é papo ou história. No fim, sem fim, tudo depende apenas de nós. Pode ser que isso seja um perigo, mas há perigo em tudo no mundo para os cegos, surdos e mudos que nos tornamos quando viramos adultos.

O hoje é o único caminho que pode nos levar à saída, à escada de incêndio, à porta de emergência. O hoje é o que emerge dos dias que se foram, dos dias em que fomos, de onde relutamos em voltar. Mas é preciso voltar, e ir em frente, e caminhar. Encontrar à nossa frente o que perdemos lá atrás. Viver e reviver, e o cansaço, ignorar. Porque o hoje, de repente, pode não ser mais a véspera do amanhã, como sempre planejamos, mas nunca vivemos.

Banquete

A miséria é farta mesmo para quem tem a mesa farta, porque a miséria do espírito humano persegue a cegueira de nossos corações, trazendo consigo os preconceitos e intolerâncias que guardamos escondidos até que algo ameace nossas falsas concepções de certo e errado.

A miséria é inerente ao ser humano, principalmente agora que resolvemos substituir pensadores por administradores, filósofos por políticos, políticos por ladrões. A miséria é mais do que fome. A miséria é a dor que todos sentimos quando nos percebemos sem direção.

Lixo

Podemos ser cheios de pompa, cheios de truques, cheios de tiques. Podemos viver e morrer como vivem e morrem todos os que conhecemos, e os que não conhecemos. Podemos dizer que sabemos o que é isso ou aquilo, e que aquilo outro é diferente de todo o restante. Podemos viver em nossas vidas todas as coisas mais incríveis ou ridículas, podemos vomitar os porres, rir das roupas alheias, fazer piada, andar na rua até amanhecer. Mas se não somos capazes de sentir algum tipo de amor, podemos juntar tudo isso, mais o resto, e jogar no lixo.

Jardim de infância

Existem luzes e existem sombras. Existe o certo e o errado. Para tudo o que existe, existe um antônimo. Como a contramão que existe para cada caminho. E existimos nós, pequenas crianças, brincando de fazer escolhas, como bolhas de sabão, amarelinha, beijo-abraço-aperto-de-mão.

Existem bravuras e covardias. Existe o bem e o mal. Para tudo o que existe, existimos em dualidade, porque somos limitados demais para pensar em coisas únicas, que não têm um contrário. Somos as crianças de terno e gravata brincando no jardim de uma infância interminável.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Retrato em vermelho e branco

Não sei de onde vem o que vem de dentro de mim, que se derrama nos exageros do meu chão, se espalha e evapora e vira nuvem, e vem para mim de novo, num ciclo quase sem razão.

Não sei se o que me atinge de fora é bala perdida ou bala no alvo. O alvo que atingem está pendurado, há anos, todo furado por papo furado e já nem liga muito mais para os causos.

Não sei se o que sei dá um verso, uma folha ou um livro. As palavras são sempre as mesmas, incapazes de dizer o que dizem os que vivem do outro lado do vidro. Falam um idioma vazio.

Não sei se o vazio, que o saco me enche, me enche só por esporte ou se é mesmo algo meu. Quando sair ou ficar são verbos para uma única fuga, a vontade esmorece com tantas dúvidas.

Não sei se a esperança é realmente o último recurso. Só sei que o que sei é que um último recurso é sempre de bom uso quando os cursos que damos às nossas vidas ficam muito estranhos.

Inspiração

A inspiração é a transpiração de todos os dias, é o trabalho, a conversa, a pressa, o ócio. É a musa do cotidiano louco que inventamos para nossas vidas, nas idas e vindas e oscilações dos humores. A inspiração é a respiração da alma que não se acalma, nem se cala, nem se conforta diante de tudo o que é estranho para nossas percepções silenciosas.

A inspiração vem da idéia de que nossos ideais podem, de outra para outra, morrer como nós: solitários. A inspiração é apoio para o passo trôpego, é conteúdo para o vazio, é o que nos salva de nós mesmos, ou nos consome em nossas artes cruéis. É o tudo que somos no nada que vivemos, é o nosso refúgio, que finge sossego.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Claro como água

Sabemos quem somos, disso não temos dúvidas. As dúvidas residem no que gostaríamos de ser, ou no que queremos ser, porque nos frustramos ao não conseguirmos ser muito diferente do que somos.

Este é o conflito que nos move nos diferentes rumos que nos damos, através das escolhas que fazemos, porque não somos quem pensamos, mas sim o que sabemos, no fundo, no íntimo de nós mesmos.

Confio

Confio no tempo, que sabe como ninguém corrigir as imperfeições de todos nós. Confio nos dias, que deixam para trás as noites de insônia e dão alimento aos sonhos que temos de olhos abertos. Confio nas horas, que continuam passando sem se importar se fazemos com elas o que devemos fazer. Confio no Todo, já que nada me resta a não ser confiar. Confio no início, porque todo fim é, na verdade, apenas o reinício.

Vidas

Todos levamos vidas diferentes, depende das ocasiões. Podemos parecer felizes, contentes, centrados, perfeitos. Mas quando acabam as ocasiões, tiramos os saltos, as gravatas, colocamos os pés de volta ao chão e voltamos à origem da qual o tempo todo tentamos fugir: simplesmente humanos.

Podemos falar, escrever, fazer, acontecer. Podemos brilhar sob luzes ilusórias, podemos ser anônimos ou conhecidos. Mas quando as luzes se apagam, quando descem as cortinas, tudo o que nos sobra é aquilo de que tanto tentamos fugir em nossas distrações bem arquitetadas: nós mesmos.

E é no silêncio de nós mesmos que nos lembramos de quão insignificantes fomos em nossas rápidas fugas, quando nos esquecemos do que temos que fazer e de quem nos espera em casa. É na sala fechada da quietude que todas as sombras saem para brincar, criando os jogos incertos que, um dia, temos que jogar.

Óbvio

Óbito da dúvida, o óbvio é o que arrasa nossa cegueira quando estamos tão certos de nós mesmos e de nossas vidas. O óbvio é que não temos controle sobre muitas coisas, como pensamos ter. E é a falta de controle o que obviamente nos assusta, porque não aprendemos ainda a lidar com nossas fragilidades.

Passamos anos peneirando, ou tapando o sol com a peneira, criando mecanismos de defesa, rotas de fuga, desvios ou atalhos. Passamos anos em divãs, cadeiras, cadeias. Passamos nossas vidas livres dentro das prisões voluntárias que herdamos ou criamos, nos preparando. Mas, na hora H, falhamos.

Falhamos na tentativa de buscar fora o que está dentro, porque o que está dentro de nós, morremos de medo de colocar para fora. Mas, uma hora ou outra, obviamente teremos que decidir se vale a pena continuar correndo em círculos atrás do próprio rabo. É óbvio que, uma hora, chega a hora para tudo.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Somos?

Somos a paz e o conflito, a imensidão do ser finito. Somos o que somos e o que fingimos, herdeiros das loucuras indistintas, dos sonhos que não contamos, dos segredos que guardamos, dos fins que aguardamos.

Sistemas planetários

Vivemos em mundos de órbitas estranhas, aquecidos por estrelas idealizadas, assolados por cometas frustrantes, num ambiente de frágil equilíbrio que, ao mesmo tempo em que nos sustenta, nos destrói.

Vivemos em mundos separados, unidos por atrações inexplicáveis, sob leis abstratas que criamos para preencher as lacunas que nos desesperam, e nos separam, enquanto lutamos para estarmos juntos.

Vivemos em mundos diferentes, iguais em massas e composições, cataclismos e indecisões. Vivemos em mundos diferentes e tentamos ser iguais, vivemos distantes, lutando pela proximidade.

A morte da inocência

Lá estava ela, linda, deitada aos raios da lua, com sua pele nua anunciando a brancura de sua existência à um mundo incoerente. Ela, virgem, tão suficiente a si mesma e tão frágil quanto os finos galhos secos do inverno, receia por sua própria vida, contra a qual atentamos em nossa cega e ignorante violência. Ela, triste, desvia de nós seu olhar ao perceber nossa perversidade. Ela, linda, virgem, quase morta, desliza seus últimos suspiros até que seus olhos se fechem, melancólicos, anunciando o fim de si mesma.

A brincadeira dos dias

A brincadeira dos dias é colocar a noite para dividir os dramas, porque o tempo se disfarça de noite e então não o vemos trabalhar. Não o percebemos movendo seus ponteiros chatos e precisos, tirando forças sabe-se lá de onde, ou de quando.

A brincadeira dos dias é serem todos tão diferentes a ponto de receberem os mesmos nomes, todas as semanas. A brincadeira dos dias é nos cansar só de passar, porque passam incólumes diante de nossos olhos embotados de horas sem fim.

A brincadeira dos dias é nos fazer voltar ao começo quando chegamos ao final, é ser o dia final quando queremos que algo continue, é continuar igual enquanto lutamos tanto para que sejam diferentes. A brincadeira dos dias é fingir-se de inocente.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A gente

A gente demonstra tanta solidão, a gente demonstra tantos monstros, a gente se finge de morto, faz beicinho e pede a bola de volta. A gente demonstra tanta coisa, e está tudo sempre por um fio. O fio da navalha, o fio elétrico, o fio etéreo. Estamos no éter. Estamos na droga, que se transforma no que quiser para encontrar seu hospedeiro. É a conversa no boteco, é o cigarro que acende, é tudo que nos faz tão bem, fazendo mal.

Mas é aqui que estamos, é aqui que vivemos. É aqui que nascemos na carne, e morremos dela. Ainda. Mas a gente faz um drama imenso, a gente faz tudo de um pouco. E reclama, se debate, feito peixe fora d’água, num processo cheio de vais e vens. A gente se expressa. E se apressa, não tem essa. A gente se apressa. Corre daqui pra lá, e de lá pra outro lado, pra no fim tentar dizer o indizível: que a gente é isso mesmo, isso que toda gente vê.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Resistência

Um dia depois do outro, e outro, e mais um, como peças de um quebra-cabeças cheio de rotinas e mesmices, surpresas planejadas e bizarrices. A alienação viaja em satélites até alcançar os miseráveis, e a miséria continua assolando a todos, sem se incomodar com as contas bancárias.

É o mais do mesmo diário com que lidamos com forçada disciplina. É o sistema que toma a maior parte da força de que dispomos, o sistema que insemina, dissemina, desdenha e elimina. É o monstro que alimentamos e levamos para passear, solto, confortável, fiel, indesejável.

Uma noite depois da outra, e outra, e mais uma, e nos céus escuros viajam nossos sonhos sofridos, nossos desejos mais profundos, desaparecendo à luz do sol que nasce e nos coloca de volta no transe. E vamos levando, tentando tirar proveito de tudo o que disfarçadamente nos faz bem.

É o tudo ou nada diário que nos desafia, enquanto nos enfia goela abaixo seus venenos de enxaqueca e azia. É a nossa obra-prima, primando pela eficiência em nos consumir gradualmente. Seu trabalho é eficiente e metódico. Mas ainda há quem resista, quem se revolte, quem não se dobre.

É aí que reside a esperança.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Noite adentro

Noite adentro eu penso em você, que está aí para o que der e vier, e que tem tido paciência para tentar entender as loucuras que eu tento lhe mostrar. As loucuras em que nos metemos quando nos percebemos parte dessa massa fora de ponto, que esteve sempre a ponto de colocar um fim em tudo, com suas guerras de todo tipo, para toda ocasião.

Noite adentro eu penso em você e em como tudo ainda pode ser diferente, porque continuar igual é pura perda de um tempo que já não temos, porque tudo o que fizemos até agora foi tentar trocar nosso tempo numa barganha que só enganou a nós mesmos, grandes idiotas que fomos por acreditar que outros aliviariam nossos tormentos.

Noite adentro eu penso em você e nas coisas nas quais acreditamos, e tenho certeza de que, mesmo desacreditados, ainda somos capazes de fazer o mundo crer em nossa capacidade de amar os que já não têm mais lugar para gente como nós em seus cansados corações.

Operações básicas

Se subtraírem de nós tudo o que temos, ficaremos apenas com o que somos. E, se o que somos não puder ser usado numa soma, então diremos que em nada nos somou o tempo em que tivemos tudo o que achávamos importante.

Liquidação

Pagamos preços altos por coisas das quais pouco precisamos, ou das quais precisamos por pouco tempo, ou que servem para poucas coisas.

Pagamos preços altos por tudo que é raro e supérfluo, e disso nos orgulhamos, enquanto do que é abundante e gratuito, nos envergonhamos.

Pagamos preços altos por tudo o que obtemos através da falta de bom senso porque por este, que é gratuito, não nos interessamos.

O chapéu do lobo

Toda crueldade se disfarça de excitação e indiferença e isso nem faz diferença, porque depois do clímax tudo torna-se igual e desinteressante nessa jornada curta de todos nós.

Nossos passos de formiga denunciam nossas direções, porque pisamos sobre as pegadas de antes, sem perceber, com nossos olhos fixos no horizonte, desatentos ao chão que nos sustenta.

Os detalhes vão e vêm, tão pequenos diante de nossa grandeza, tão essenciais para nossa ignorância. Vão passando, tão claros e disponíveis, que só os notamos muito, muito depois.

Mas são eles, os detalhes, que fazem a diferença quando ressurgem na memória, em nossos raros momentos de reflexão. E são eles que nos contam as histórias em nossas estórias.

Então nos tornamos a chapeuzinho, borrando as calças de medo de um lobo que nada mais é do que o medo que temos de saber que os dentes cravados em nossas vidas são os nossos, não de outros.

Singular e plural

Eu não sei se você pensa em tudo o que você faz, mas tudo o que você faz reflete o que você pensa. E o que você pensa ser surpresa, na hora da reação, é apenas o repúdio que tenta ressuscitar do jazigo do bom senso.

Mas isso não é o inferno de um só, e sim de todos nós, que buscamos alguma redenção, ao invés de ajoelharmo-nos em rendição ao que pensamos que fazemos de bom para nós mesmos em nossa cega dispersão.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Preenchendo as lacunas

Nós usamos de tudo para que o nada deixe de existir entre nós, porque algo dentro de nós não aceita esse nada. A ordem das desordens às quais não conseguimos dar nomes, definições, motivos ou sentidos é o que mais incomoda, com uma intensidade que vai aumentando em ondas de dúvidas, certezas e dívidas. O eterno conflito entre deixar para trás e ir em frente sem se importar mais com os vícios, faltas e doces pecados.

Eu vi

Eu vi que entre nós existiu de tudo, do pouco que tínhamos para dar um ao outro, em nossos momentos de vida tão diferentes. Eu vi que servimos para muitas coisas, sobre as quais não falamos mais, porque os encantos do esquecimento são mais sinuosos que os da lembrança. Eu vi que fomos perfeitos, pelo menos durante algum tempo, exatamente o tempo que precisávamos para destruir o que, com nosso suor, havíamos começado a construir. Eu vi que somos assim, eu e você, e todos os outros, no íntimo do íntimo, porque no íntimo somos todos apenas humanos.

Por isso eu não mais me culpo, nem culpo a você, nem a ninguém. Porque eu vi que vivemos o que víamos naqueles tempos, com nossos olhos, nossas consciências, semelhanças e diferenças. Isso acontece com todos, no fim somos todos iguais, e isso não é crime, de forma alguma. É apenas um fato, dentre tantos que vemos, todos os dias. Eu vi que é muito melhor desse jeito, porque se fosse de outro, viveríamos nossas vidas inteiras sem sentir o sabor de aprender. E eu vi que, na essência de tudo, o tempo é um grande aliado, fazendo de cada fim um novo começo.

A história de todos nós

A história de todos nós é a história que se repete, de tempos em tempos, com seus tempos em espirais e círculos, ciclos, repetições e novidades. É o que contamos nas barulhentas rodas de bar, nas silenciosos momentos de intimidade, no trabalho, em casa, em todos os lugares. A história de todos nós é repleta de vitórias e fracassos, acertos e falhas, escolhas e fatalidades. É tudo o que somos, é tudo o que nos trai quando tentamos esconder algo, é tudo o que guardamos em fotos e fatos.

A história de todos nós é a coluna de sustentação da Grande História, que nos fascina com seus heroísmos e anonimatos, eternizando todos os nossos momentos. É a herança que recebemos e deixamos, para nós mesmos, para todos, para o Todo. A história de todos nós é morada de sonhos sonhados, realizados, interrompidos, esquecidos. É nela que jazem batalhas, conflitos, laços, amores. É o começo e o fim de muitas jornadas. É o parágrafo e o ponto final. E, para cada fim, é o recomeço.

Nossas histórias estão entrelaçadas, como amantes detalhistas e precisos, viciados no durante e receosos a respeito do clímax.