Nos sonhos reside o real, vestido de névoa fluída, aguardando o final. Ansioso pelo início preciso, já vem pronto e conciso. De todos os passos, deseja só o primeiro. Deste ponto em diante, seu caminho é certeiro.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
Peso pesado
A rotina do exagero é o que se joga fora todo dia: é o lixo na calçada, é a fumaça no céu. É a briga por um nada, gente invisível fazendo escarcéu. É tudo rejeitado, a testemunha sem seu véu.
O exagero da rotina é a luta pelo mesmo: é a mesmice da cegueira voluntária, é o passeio com o cachorro. É o calor desejado nas friezas do inverno, é o frio aclamado nos desesperos do verão.
O exagero e a rotina enamoram-se de todos. Dos que ficam, dos que fogem. Dos que bebem e dos que engolem. É a força da estática, a matéria do enfadonho. É o medo desse mundo tão estranho.
Jantar
Todas as luzes acesas, lembrando a ceia, a sobremesa. O copo cheio, a garrafa vazia, o aperto no peito, a louça na pia. O talher e o guardanapo, indiferentes à correria do dia. O dia que não vinha, mas veio. E se foi, como se estivesse a passeio. Como se viajasse no álcool, ou nos orifícios dos seios. Não importa como, simplesmente veio e se foi.
E deixou seus aromas no rastro, como se a vida fosse apenas isso de fato: chegada aguardada, despedida sentida. Proximidade esperada, distância aborrecida. A ida e a volta do cotidiano. Entra ano, sai ano. Tudo igual num ano diferente, e o vice-versa do ano igual. Tudo que começa bem parece que acaba mal. Mas isso é apenas o normal.
Silêncio só
O silêncio ainda espreita, com suas sombras sorrateiras, cheias de malícia. Ele ainda usa seus disfarces, como se fosse fácil manter-se no topo de tudo, durante todo o tempo. Insolente, petulante.
Mas sem o medo, o silêncio nada mais é do que ele mesmo: a ausência do som, ou o som bem baixinho, ruído de fundo, canto de pássaro. O silêncio não é ninguém sem sua turma. Inocente, repousante.
Meu elemento
O ar em movimento trouxe o alívio tão precisado, tão pedido, por tanto tempo. Tão sonhado, tão temido pelos diabos que se alimentam das horas que passam voando, e tão diferente de toda teoria que só a pratica é capaz de mostrar, em detalhe, o quão certa é a hora, e quão perfeita é a forma como tudo acontece.
O movimento que fez o ar tirou a poeira dos cantos, abriu de vez as janelas, deitou, enfim, as cortinas, limpou o céu como tela. Levou embora o mistério que quase nenhuma pista revela. Fez do velho algo de novo, algo que já se pensava impossível de existir entre tantas chegadas que se desmancharam em partidas.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Imaginário real
Os limites colocados adiante, são apenas colocados. Eles não estão lá. Mas estão. Estão para testar até onde vai, qual o limite. Testar de onde vem, se vem de lá, de dentro, de fundo. Testar que tipo é, se é do tipo que faz tipo, ou se é puro. Puro.
Os limites vistos adiante, são apenas vistos. Não são sentidos. Não podem ser sentidos se o sentido diz que sentido deve ser seguido. E não podem ser maiores, se a vontade é maior. E nada é maior do que a vontade que flui do lado esquerdo.
Os limites ditos adiante, são apenas ditos. Já ficaram para trás assim que foram ditos, porque já não estão mais dentro, foram embora nas palavras. Foram embora no sopro, no cheiro, no abraço, no beijo. No respeitoso silêncio do vento.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
O único perigo é o primeiro passo
Parece pouco o que há na mente, no coração, no bolso. Parece pouco, comparado a tanto de tudo que há por aí. Pode até ser que a certeza seja menor que a dúvida, porque quase sempre é, e quase sempre assim permanece. Mudar isso é um trabalho imenso, que exige força além da humana, já que a humanidade não está mesmo nem aí para isso. É caso isolado, não está na massa. Está por fora de tudo.
Deve ser mesmo muito pouco, de tão pouco que se mostra. E, quando se mostra, assusta muito. Causa pânico. Causa um monte de coisas, com um monte de nomes. Causa dor física e um vazio impalpável. Indigerível. Revela-se fraqueza diante da força de tantas coisas aos avessos que andam soltas por aí. Quase causa pena. Quase causa porque a piedade está em falta, jazendo vencida nos estoques.
Até onde isso vai, é impossível dizer. Assim como é impossível dizer um monte de coisas que ficam engasgadas, desgastando a garganta, por onde só desce veneno. O veneno dos dias e noites que passam em branco, um branco sujo e avesso ao branco da paz. O suave veneno vertido contido nas diversões invertidas que inventaram um dia, para que os dias passassem em passo veloz.
Até quando isso vai, nem o relógio responde. Envergonhado, ele se esconde atrás de seus ponteiros espasmódicos, que pulam os números em compasso metódico, enganando as engrenagens que já nem sabem o motivo que as fez tão velozes. Até quando isso vai já nem interessa, porque a dona do mundo agora é a pressa, que passa depressa e deprime àqueles que dela dependem, de forma perversa.
Mas tudo para algum dia, porque tudo morre, se inverte e se transforma em algo novo. Vira pó, vira cinza, carbono, estrela. Partícula atômica, isótopo sem tempo. Voa no vento, cai ao relento. Aquece, queima, reage. Muda de cor, floresce, revive. Tudo morre, muda e nem se incomoda se existe essa pressa, se o vestido é da moda, se tudo é dinheiro. Isso tudo, quando tudo morre, é apenas conversa.
Um monólogo. Monumental.
Cinismos propositais
Morreu a musa, bateu asas e voou. E gritou, desgraçada, um grito de garça, irritante e solitário. Morreu sozinha, a filha da puta. Mas foi bem merecido, de tanto desdenhar o esforço de quem só lhe pediu algumas linhas. Que queime então no inferno das novelinhas. Alguns diriam “oh, pobre coitada! Morreu tão jovem...” Ora, que se foda, desalmada. Foi-se jovem, mas foi-se tarde. Bem tarde.
Outros, agora, dizem “as linhas ficaram tortas e as rimas, despedaçadas.” Pois então não leiam, não percam tempo. Não gastem os olhos se não entendem nada. Porque mesmo tortas, as linhas falam. E, se não rimam, também não calam. Morreu a musa, e foi bem velada. E, apesar de tudo, morreu ainda amada. E ela sabe disso, todo mundo sabe. Está bem escrito em sua linda lápide.
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
Degelo
De onde vem, ninguém sabe, mas vem. Vem e toma conta, preenche os espaços, corre no sangue. Passa por todos os caminhos que existem por dentro, melhora o humor, aumenta a paciência. Transforma qualquer rotina em surpresa. E se reflete por fora, de formas diversas. Relaxa as feições, altera o andar. Faz roupas guardadas voltarem ao corpo. Faz do passado apenas passado, tornando o hoje o primeiro dia do futuro.
Quando vem, ninguém sabe. Mas vem, mesmo sem hora marcada. Uma vez notado, é tarde demais. Como se estivesse lá o tempo todo, desde sempre, tão perfeito é o encaixe. Lembra os difíceis quebra-cabeças da infância, com suas infinitas trinta e seis peças, que tantos sorrisos desperta, quando tudo finalmente se encaixa. A hora em que chega é sempre a hora certa, porque nunca se adianta, e nunca se atrasa.
O que é, todo mundo sabe. E mesmo quem não sabe, descobre rapidinho. Intui de alguma forma medrosa que é isso mesmo, isso que tanto se esperava. E não adianta procurar empecilhos, problemas, defeitos. Porque, no final das contas, é simplesmente perfeito. É tudo o que disso se espera, porque toda espera é sempre longa demais, a ponto de cansar e fazer pensar que isso não existiria mais. Mas existe, e é o que é.
Vem de onde nunca saiu. Chega na hora marcada. E é o que se imaginava exilado. É o amor.
Ou é isso, ou é aquilo
Fala-se sobre o amor, fala-se muito, fala-se demais. Conta-se histórias, contos, lendas. Teorias. E pouca prática. E dá-se ao amor armas, como se fosse possível levá-lo às batalhas para ferir aos iguais, deitar ao chão os inimigos, trair os amigos. Desafiar, desfazer, desmanchar. Como se fosse mesmo instrumento de terror, ou moeda de suborno.
Pensa-se o amor como se fosse possível submetê-lo a desejos tolos, destituídos de profundidade. Ou de importância. E espalha-se o rumor de que o amor pode destruir lares, famílias, amizades, outras coisas. Mas que destruição pode trazer o amor às coisas que diante dele sucumbem por falta de alicerces? Que culpa tem ele se é mais forte que todo o resto?
Vive-se a paixão como se fosse amor, mas amor ela não é. Pode ser que seja o começo. Mas meio ou fim, não é capaz de ser, porque não se sustenta sozinha: morre rápido se não gera seu próprio sustento. E seu sustento deve sustentar não apenas a si mesma, mas também aos corações que escolhe como morada. Senão, morre farta de si mesma.
Aos que se enganam
Aos que se enganam, a notícia é de derrota, crise, problema. Mas não há problema, crise ou derrota capaz de enganar ao bom coração. O bom coração permanece forte mesmo quando o dão por vencido, mas este vencido não está até que soprem o final da partida. E a partida, na verdade, ainda nem começou...
Ponto de força
São tantos os sinais, tantos os dedos apontados, tantas as palavras cuspidas, tantas as previsões estranhas. São tantos dados, tantas informações. Em meio a tantas coisas é tão fácil perder a rédea, perder o rumo. E perder o pouco que falta para encontrar o prumo.
Tudo o que dizem, tudo o que fazem, tudo o que mostram é tudo o que são, e nem tudo é sempre coisa boa, boa notícia ou bom coração. E em meio a tudo isso é muito difícil manter-se atento, desperto ou coeso. Ou simplesmente imune ao peso de todo esse peso.
Mas nem sempre tudo, ou todos, são suficientes para envergar as costas ao chão. A força das costas é força além de qualquer discussão. Quando parece que cede, mais forte se faz. Ergue-se além do cansaço, porque nenhum peso é pesado demais. Não é e nunca será.
sábado, 12 de novembro de 2011
Três é demais
O mestre vem e ensina, deslizando seu giz suavemente sobre a lousa, em palavras, desenhos e cálculos, tão exato e tão humano. E tão biológico. Cheio de sabedoria sobre as certezas das quais duvidamos, quando escolhemos nossos atalhos tolos, nossos caprichos vazios, nossas escolhas infantis.
O mestre fala e explica, com palavras poucas, a verdadeira natureza das coisas: as falsas verdades que inventamos nos sonhos em que rolamos soltos, pensando que a coisa certa está sendo feita, quando na verdade, a verdade é outra. É redondamente o contrário do que pensamos que sabemos.
O mestre demonstra e corrige, com exemplos levíssimos, a conduta tão sublimada de enganos que somente um sol de deserto inclemente é capaz de produzir. Os desertos que temos por dentro, enganam tanto o guia quanto os viajantes, matando todos de sede, mesmo com o oásis adiante.
O mestre aconselha e encaminha, para que os erros não aconteçam de novo. Mas sabe que o erro acontece, e é quase inevitável, porque os alunos esquecem de tudo quando é chegado o momento da prova. Safam-se apenas os que erram de menos. Esses são os que não só estudaram, mas aprenderam a lição.
O mestre da escola é o Tempo, e sua matéria é a História.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Nossas metades
Ela passeava distraída quando se viu mais jovem, atravessando a rua em passos saltitantes, de mãos dadas com um namoradinho. Cabelo preso na nuca, olhava pra tudo, pra todos. Divertia-se em sorrisos e olhares, o jeito jovem de observar essa vida. Seus passos escreviam histórias que, mal sabia, seriam vistas e lidas por transeuntes estranhos, que ela nem sonhava que um dia conheceria.
Então lembrou-se do jovem sorveteiro, que vinte anos depois ainda vendia ali seus sorvetes. Lembrou-se do dono da venda, onde agora ela comprava as coisas que sua mãe costumava comprar. E percebeu a padaria da esquina, que mudara de nome e de dono, mas que ainda era a padaria da esquina. Lembrou e reviu muitas coisas no turbilhão provocado pela visão dela mesma mais jovem.
Agora, ela sabe que precisa trocar a saia que comprou, mas que veio com defeito. Entrou na loja, no seu velho bairro, seu bairro de sempre, e fez o que tinha que fazer, pensando no que compraria no supermercado. Lembrou que era sexta-feira, dia de lanche no jantar. Fez tudo o que tinha que fazer e foi caminhando tranquila de volta para casa. Na esquina, viu-se novamente caminhando mais nova, e chamou alto sua filha: vem, vamos pra casa!
Sem eira, nem beira
A falta de luz deixa nu o escuro, que brinca de rei, construindo desmandos que bagunçam os cômodos que foram deixados vazios por aqueles que foram, e que nunca voltaram. Foram de vez, vezes sem conta, sem dar a mínima importância para quanto vazio deixaram pra trás.
Foram todos embora, vestidos de santos, fingindo inocência diante de tudo o que esse nada agora traduz. Não deixaram endereço, palavra ou conforto: somente o silêncio, que empoeira todos os cantos dos lugares vazios, onde nascem os medos pelos dias que fogem.
Não sentem remorso, mas mesmo se sentissem, isso pouca diferença faria. Porque o que fica, só fica pra um, não tem a menor importância para outros, mesmo porque dos outros, não resta nenhum. E mesmo se restasse, seria resto, e isso é pouco diante de tudo.
Reticências
Sentado no escuro, ele pensa no mundo, pensa em tudo que vê à sua volta. E volta a tempos cada vez mais remotos, tentando encontrar as almas que já abandonaram seus corpos. Mas, pobre rapaz, não chega onde quer, onde quer que isso seja: fica preso num tempo em que só se enxerga tristeza, com se fosse um abismo de imenso vazio. De lá não consegue sair, preso que fica por mãos que o puxam de volta, para viver de novo essas coisas estranhas das quais sempre tenta fugir. Pobre coitado, não sabe que a fuga nada mais é que atalho, percorrido apenas para dar de frente com o medo que mantinha guardado...
Sentado no escuro, ele se sente sozinho, como se não existisse ninguém capaz de estender-lhe a mão, para puxá-lo de volta, para longe desse sonho daninho do qual é difícil acordar. Dentro do peito ele sabe que só precisa de amor. Mas que amor existe nesses dias estranhos, em que as pessoas reparam mais no que temos, do que no que somos? Pobre menino, que pensa na vida como se essa fosse ainda da maneira como ele a percebia, antes desses dias, antes de tudo. Antes que tudo se tornasse esse nada no qual ele nada sem sequer avistar uma margem. Pobre diabo: sabe que pode, mas não consegue desistir...
Barro soprado
O que faz do humano um ser humano é sua tendência em desejar o que lhe é improvável conseguir. E, quando consegue o que deseja, pouco se importa com as dúvidas que suscitou, com as mágoas que gerou, nem com os rompimentos que forçou. Não pensa em nada, a não ser em si mesmo e nos fins que justificaram os meios sujos que utilizou.
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Números
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- Pernambuco (Recife)
- Sergipe (Aracajú)
- Rio Grande do Sul (Caxias do Sul)
- Goiás (Goiânia)
Só posso ser muito grato!
A incidência da luz
O reflexo do espelho é o fundo do vidro que faz refletir, fazendo uso da luz que sobre si incide, vindo de qualquer lugar. A ruga é o disfarce da idade, que se cansa dos jogos inúteis que a luz joga com o fundo dos vidros, assustando os olhares incautos que, com pouquíssima luz, se desesperam ao não enxergarem mais qualquer luz no caminho de volta. O caminho de volta, que é proibido, se esconde dos olhares perdidos no transe sem luz dos anos passados no escuro, o mesmo escuro que agora descansa, sem culpa, no fundo do vidro que brinca de espelho. O brinquedo esquecido dentro do armário, o armário deixado no sótão da casa, a casa vazia, deixada de lado. O lado escolhido sofrendo as ações do tempo passado. O passado construído de futuros desperdiçados. Fim.
Pânico
A importância que damos ao que temos, ou proporcionamos, diminui nos tombos que vamos levando, nos dias que vão se encurtando, nas palavras que seguimos desacreditando.
A importância que achamos que temos não é a mesma que realmente temos para os outros, não importa o que seja dito, ou mostrado. O que importa, no final, é que nada disso importa.
Ponto morto
O esforço é grande para manter afastadas as paredes que se fecham, e o teto que desce, assim como o chão que sobe, a janela que sela, a porta que bate. Mesmo que nada se mova, tudo comprime o ar, que comprime o peito, que arfa com dificuldade, procurando o grito alto que faça soar o alarme, que faça rolar a lágrima, que afrouxe os nós.
O peso é grande, e curva as costas, aperta as costelas, e dobra as pernas. Cega os olhos, movendo as saídas de um lado para o outro, para que não sejam vistas, ou alcançadas. O cansaço da imobilidade apunhala a alma com mais força do que o desgaste da ação, alimentando os vícios do desânimo, desanimando as horas, que começam a se arrastar, sem graça.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Puft!
O fim, que tanto justifica o meio, no fim não faz jus ao esforço empreendido, porque este foi pouco, quase nada. E, no fim, o meio e o fim são apenas o quase nada: tempo perdido, engano impossível, paciência esgotada. E o fio da meada permanece escondido entre os restos de tudo, pouco que seja, seja lá o que for. E nem saudade desperta...
E segue a vida, segue o seco, segue a rotina seu caminho imutável. Tão cheio de tantas coisas iguais, que o saco mais que se enche: estoura pelos motivos banais que somente as rotinas produzem. E ninguém, no segundo de vácuo, logo após o estouro, é capaz de ouvir a mensagem que o coração silencia: o desdém é o algoz de qualquer paciência...
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Forçado
A falta que faz a ausência de espírito é do tamanho das incertezas que
se encontram à frente. A coragem que jaz no peito apertado pelos dias
ingratos é o que separa o sorriso da lágrima: a coragem que falta, a
falha que revolta, as voltas que faltam para dar as costas ao que tanto
incomoda.
De onde vêm
Vem do passado o manual que desvenda o futuro que é feito do presente que vivemos, seja este da forma que for. Vêm das histórias escritas as linhas vazias que esperam a tinta, que escreve, pinta e desenha o dia de hoje, dizendo como será o amanhã, se é que o amanhã vai chegar realmente.
Vem de dentro de todos o que está exposto no mundo que vemos: os excessos, as violências, e todas as coisas levadas aos extremos. Está dentro de casa o executor da lei inventada, o juiz da coisa julgada, o carcereiro da cela pensada que dá limites aos rebanhos de corações inocentes.
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Nem tente provar o contrário...
De pedaço em pedaço se faz o remendo, de cara pro vento o tempo passa correndo, corre exato na linha reta do espaço que existe entre os sonhos e fatos, corre que corre, nunca descansa. E nunca permite retroceder o que avança. Às vezes desfaz o que era feito de Nada, mas sempre reforça o que é feito de Tudo. De pedaço em pedaço se constrói a engrenagem, feita dente por dente, olho por olho. Se for sacanagem, olhares deitam-se ao chão. Mas se for de verdade, olho no olho, que o resto é pura ilusão.
De pedaço em pedaço eu me deixo, e me ajeito. De pedaço em pedaço, me refaço, retalhado que seja, inteiro outra vez.
De pedaço em pedaço eu me deixo, e me ajeito. De pedaço em pedaço, me refaço, retalhado que seja, inteiro outra vez.
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Corrente contínua
Nem tudo o que é desconhecido precisa ser temido, ou evitado, apesar do
instinto do medo tentar, de várias formas, distorcer o fato de que sim, o
novo pode ser encarado de frente, com toda a coragem. Porque
simplesmente nada acontece à toa, sem ter sido muito bem pensado, antes
de aparecer no caminho. É preciso muito cuidado, porque dar ouvidos ao
medo só traz alívio naquele momento. E é o depois que realmente importa.
Pode ser que o que acontece fora dos planos de agora simplesmente faça
parte de um plano de antes, do qual a lembrança é tão vaga, que está
quase esquecido. É preciso ter cuidado com interrupções abruptas, porque
podem ser desnecessárias, como são desnecessárias palavras depois de um
ponto final. No fim das contas o desconhecido pode ser simplesmente
algo a ser reconhecido como o elo que vai religar o que se rompeu algum
dia.
Realeza
Ela vem dançando nos ventos, bailando nas nuvens, sussurrando canções de
silêncio aos seres que têm ouvidos sensíveis, que ouvem mais do que
falam, que falam a língua de um mundo que o mundo deixou de entender.
Ela traz, nas pontas dos dedos, as certezas que falham em nossos peitos
cansados de tanto respirar esse ar viciado por fumaça e progresso ao
avesso. Ela vem delicada, flutuando nos sonhos que deixamos nos
travesseiros.
Ela coloca seus pés descalços na terra, e muitos tremem de medo. Porque
sua bruta beleza assusta a quem esperava a suavidade de uma linda
princesa. Mas ela é rainha, majestosa Verdade, e não se abala com sua
corte burguesa.
À moda
A feitiço das fugas é feito no caldeirão da frivolidade, por horas a
fio, em fogo brando. Misturando a covardia das certezas adultas com os
temores do materialismo diário. Acrescentando porções de corações
partidos por egoísmos tratados como fingidos companheirismos, é hora das
pitadas de ensaiados cinismos, sorridos sem jeito, diante das reações
diversas que advém das invejas sem freio. Ao engrossar do caldo,
acrescenta-se o leite materno de toda vingança, que sai do seio da mente
de quem mente e trai a quem finge que ama, por ser incapaz de amar a si
próprio mais do que ama uma cama. Quando essa mistura exala seu perfume
característico de caminho sem volta, adicionam-se copos de álcool, e
drogas de todos os tipos, para firmar as desculpas que amortecem a ponta
da língua. Então apaga-se o fogo e leva-se imediatamente o caldeirão
para a geladeira das culpas, onde terá seu merecido descanso.
Rende inúmeras porções.
Canção do concreto
Dispensei o passeio pra ver a verdade, pra saber se a verdade é mesmo o que dizem, ou o que escondem, atrás dos lábios pintados, dos dentes cerrados, dos olhares vidrados. Eu vim pra ver e ouvir, com a miopia herdada e a surdez bem disfarçada, e saber se é mesmo real o chão que se pisa.
Mas o chão que se pisa, eu vi que é de mentira, é ilusão partilhada entre os que vivem nas nuvens. As nuvens dos valores torcidos pelas histórias amargas que os fracos não conseguem engolir. As histórias de muitos que ignoram o pouco que é necessário para pisar com segurança na certeza da terra firme.
terça-feira, 25 de outubro de 2011
Ficção
Procura-se vida, como a que existe aqui. Baseada na água, no carbono.
Procura-se algo igual ao que existe aqui, mas o que existe aqui é a
única coisa que existe? Talvez a resposta não seja subestimar Algo tão
imenso, presumindo que a diversidade não exista lá fora como existe aqui
dentro.
Procura-se vida, como a que existe aqui. E tomara que jamais seja
encontrada, porque já basta de guerra, fome, desigualdade, ignorância,
descaso, indiferença. Torçamos para que sejamos o único exemplo desse
tipo de vida, porque Algo tão belo não merece a pequenez do que trazemos
por dentro.
Procura-se vida, diferente da que existe aqui. Para que seja possível
aprender e avançar, deixando para trás esses anos de escuridão
disfarçada. Procura-se vida, para que seja possível viver e conviver,
existir e coexistir, equilibrar e ser parte do equilíbrio.
Banco de dados
Entender os vivos é estudar os mortos, porque os mortos deixam suas marcas para a vida que continua. Deixam linhas, entrelinhas, passos, anotações. Deixam pegadas, linguagens, recordações. Deixam tudo o que é preciso para que o fluxo continue, ligando o visível ao invisível, ensinando que a morte não interrompe o curso de nada, apenas transforma o Todo.
Entender o passado é corrigir o presente fazendo tudo diferente. Exatamente como acertar a lição seguindo o exemplo, como ensinaram na escola, nos tempos em que as distrações não eram tantas. No tempo em que muitas distrações de hoje ainda não se disfarçavam de responsabilidades. Entender o passado é enxergar que nem tudo, hoje, é realmente necessário.
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Natalidade
As crianças, diferentes de nós, cumprem suas promessas, mesmo quando
prometem o que não podem. Isso, que elas não podem, só nós achamos que
não podem, nas restrições dessas amarras com que a idade nos envolve.
Então as crianças podem tudo em suas promessas, mesmo nas mais loucas,
como quando prometem jamais nos abandonar na feiura da velhice, dizendo
que sim, elas vão voltar, se jogando em nossos braços, para um abraço
rápido e eterno, como se jamais as tivéssemos deixado lá atrás,
empoeiradas dentro dos baús que escondemos do tempo, o tempo todo, a
vida inteira. Elas não se magoam, e voltam tão risonhas quanto antes,
para os lugares de onde nunca deveriam ter sido tiradas, só para alegrar
o coração de quem já quase não tem mais coração, de tantas surras
adultas que levou.
Vem, volta pra casa... e mata com força toda essa saudade!
Vem, volta pra casa... e mata com força toda essa saudade!
Diálogo
Os dias são mais do que nomes ou números, para que possam ser contados e lembrados. São mais do que os cadenciados ruídos das engrenagens dos relógios, para que sejam temidos e odiados. E são mais do que simples quadradinhos desenhados nos calendários.
Os dias não podem ser tratados de forma igual, como se passassem pela avenida vestindo uniformes. Não podem ser entendidos apenas como úteis ou inúteis. E nem podem ser desperdiçados, porque em sua viagem trazem passagens apenas de ida, nunca de volta.
Os dias precisam ser mimados, tratados com carinho e respeito, para que não se enraiveçam contra quem os deve aproveitar. Precisam de cuidado, para que não fujam em disparada. E precisam de atenção para que não se demorem mais do que o necessário.
Os dias precisam de tudo, assim como tudo precisa deles.
Os dias não podem ser tratados de forma igual, como se passassem pela avenida vestindo uniformes. Não podem ser entendidos apenas como úteis ou inúteis. E nem podem ser desperdiçados, porque em sua viagem trazem passagens apenas de ida, nunca de volta.
Os dias precisam ser mimados, tratados com carinho e respeito, para que não se enraiveçam contra quem os deve aproveitar. Precisam de cuidado, para que não fujam em disparada. E precisam de atenção para que não se demorem mais do que o necessário.
Os dias precisam de tudo, assim como tudo precisa deles.
domingo, 23 de outubro de 2011
Superação
Depois do tombo doído chega o antídoto para o desânimo: a reflexão. O momento de fechar os olhos para enxergar, de calar a boca para dizer à si que não, isso não pode acontecer de novo.
De reflexão em reflexão o coração viaja de uma lembrança para outra, na árdua tarefa de encontrar o elo, o defeito, o alheio. Mas o coração, que jamais mentiria, não mostra o alheio.
Mostra a verdade: a origem do erro, a fonte do problema, o reflexo no espelho. Não é possível culpar segundos ou terceiros. Porque isso só é justo aos olhos vendados da justiça humana.
Entender o próprio pensamento, e perdoar o próprio erro, são os remédios que não ardem nos arranhões dos tombos. Pedir perdão é o que cicatriza: a marca fica, mas não dói mais para levantar.
De reflexão em reflexão o coração viaja de uma lembrança para outra, na árdua tarefa de encontrar o elo, o defeito, o alheio. Mas o coração, que jamais mentiria, não mostra o alheio.
Mostra a verdade: a origem do erro, a fonte do problema, o reflexo no espelho. Não é possível culpar segundos ou terceiros. Porque isso só é justo aos olhos vendados da justiça humana.
Entender o próprio pensamento, e perdoar o próprio erro, são os remédios que não ardem nos arranhões dos tombos. Pedir perdão é o que cicatriza: a marca fica, mas não dói mais para levantar.
domingo, 16 de outubro de 2011
Cada um, cada um
Cada um sabe o valor de uma lágrima, de um sorriso, de um abraço, de uma saudade. Cada um tem um valor, cada um tem uma medida. Cada um tem seu peso, cada um tem seu alívio. Cada um tem seu momento. Pode ser um, pode ser um monte. O importante é que cada momento é de cada um, e de ninguém mais.
Impossibilidades
É impossível encher um copo já cheio. É impossível percorrer um caminho estando parado. É impossível dormir sem sono. É impossível beijar sem uma boca. É impossível deter uma verdade. É impossível perder o que não pertence a ninguém. E é impossível refletir sem consultar um espelho.
Os espelhos
Pode-se usar os espelhos para: ver o que há atrás do carro; checar relógios de água ou eletricidade; desviar a luz; construir microscópios, lunetas, telescópios, miras; retocar a maquiagem; divertir distorcendo imagens; iludir com truques de mágica; esticar uma carreira de pó; escrever mensagens com batom; experimentar óculos e roupas; coletar energia solar. E muitas outras coisas. Inclusive olhar para si mesmo.
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
Herança
Gargalhadas, surpresas, abraços, beijos, conversas, silêncios. Lágrimas, tombos, cortes, raspões. Loucuras, rompantes, impulsos, erros, acertos. Carícias, carinhos, respirações, músicas, danças. Roupas, fantasias, disfarces. Travesseiros, lençóis, cobertas. Enfeites, presentes, lembranças, fotografias. Amores, paixões, rivalidades, indiferenças, saudades. Ganhos, perdas, chegadas, partidas. Refeições, bebedeiras, sobremesas. Avenidas, ruas, estradas, esquinas, trilhas. Mares, rios, cachoeiras. Férias, trabalhos, estudos, colegas, amigos. Aventuras, sustos, perigos, conflitos, pazes. Famílias, sossegos, passeios, sóis e chuvas. Vidas e mortes, mortes e vidas. Idas e vindas. Isso e muito mais: tudo o que foi, tudo o que é, tudo o que vai ser. Sempre, pra sempre.
Mortalidade infantil
Correndo ela vai, olhando pra trás, menina moleca. Sorrindo e gritando, mais baixo, mais longe. Fazendo voar os cabelos no vento, bochechas vermelhas. Vai indo, vai indo. Cai sentada no chão quando olha de volta pra trás, mas levanta e vai sumindo na rua, sumindo na praia, sumindo no mundo das idades adultas. Ela vai, essa danada, pobre coitada, pro fundo de um velho baú. Pra se deitar, linda, mas empoeirada. E com ela vão os cheiros de chuva à tarde, os cheiros de chiclete, bala, primeiro beijo, último amor. Correndo ela vai só pra depois se perder dentro de peitos estranhos, com desejos estranhos, ideais distorcidos. Vai ela correndo morrer em tão tenra idade. Corre, menina, e não olha pra trás, pra não ter saudades de quem já ficou velho demais pra você.
Vai, vai embora... mas promete que um dia você volta pra sempre?
Vai, vai embora... mas promete que um dia você volta pra sempre?
Açougue
A carne é daninha, e nem é erva, pra se fazer um chá, um banho, um tempero, um cigarro. A carne é cegueira, intolerância, veneno, violência. É segredo escondido, é grosseria, solidez pra restrição. A carne é só o começo de um longo caminho. Depois melhora.
Soma
Cada olho, uma janela. Cada boca, uma porta. Cada ouvido, um confessionário. Cada corpo, um templo. Cada templo, uma história. Cada história, uma repetição. Cada repetição, um aprendizado. Cada aprendizado, uma vitória. Cada vitória, uma união. Cada união, uma nova história. E toda história se entrelaça, com sutileza, fingindo acaso. Aumentando ou diminuindo o tamanho do mundo como se esse fosse mesmo flexível, e inteligente.
Bonitinha
A beleza de tudo o que existe não está contida nas formas ou cores. Nem nas luzes ou sombras. Muito menos nos sentidos da visão, do olfato, da audição ou do tato. A beleza de tudo o que existe se esconde, feito coisa rara. Brinca de esconde-esconde, mas querendo ser encontrada. Como criança escondida atrás da porta. Corre pra lá e pra cá, pra no fim ser mais feliz nos braços de alguém.
A beleza de tudo o que existe não reside no trabalho sem amor, nem no beijo sem carinho, muito menos no abraço fingido. Ela só aparece quando encontra seu conforto nos sentimentos verdadeiros. Como a criança nos braços dos pais, que faz valer a imensidão das saudades contida nos mínimos minutos. A beleza de tudo o que existe não se mostra aos defeitos: reside nas qualidades.
E a beleza de tudo o que existe está por aí, para quem quiser vê-la.
A beleza de tudo o que existe não reside no trabalho sem amor, nem no beijo sem carinho, muito menos no abraço fingido. Ela só aparece quando encontra seu conforto nos sentimentos verdadeiros. Como a criança nos braços dos pais, que faz valer a imensidão das saudades contida nos mínimos minutos. A beleza de tudo o que existe não se mostra aos defeitos: reside nas qualidades.
E a beleza de tudo o que existe está por aí, para quem quiser vê-la.
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Metrópole
A cidade dos sonhos tem caminhos largos e pavimentados, não apertadas ruas de asfalto remendado. Tem árvores, jardins e nenhum carro. Casas simples, mas espaçosas. No ar, aroma de café e pão de manhã, e café e bolo no meio da tarde. Perfume de refeição no almoço e no jantar. Cheiro de mato e barulho de grilo para desfazer o cansaço. Criançada brincando do lado de fora das paredes. Poucas luzes, para fazer valer a luz do luar. Menos gente, e mais pessoas.
Dimensões invisíveis
Das dimensões invisíveis pouco se sabe, mas muito se obtém. Pode ser pelas vagas lembranças, ou pelas estranhas certezas. Pelos amores gratuitos, ou pelas doces presenças. Sabe-se que a mágica vem de lá, mas as cartolas quase nunca aparecem. Lá fica a casa do sonho concreto. Aqui, o concreto é armado.
Das dimensões invisíveis chega o socorro na hora certa, não na hora pedida. Vem com remédios sensatos curar as doenças abstratas que escurecem o coração. Chega tudo em silêncio discreto, muito cuidado e bom senso. Às vezes nem são necessárias palavras: já conhecem as causas pelos efeitos.
Das dimensões invisíveis pode-se tentar fugir, mas a certeza de suas existências está gravada fundo, em lugares de onde é impossível removê-la. Faz de toda tentativa de fuga uma bobagem infantil. Um jogo com horários marcados, e uma hora correta para tudo que precisa acontecer, com precisão. Como se o bolo já estivesse pronto muito antes que a receita fosse escrita.
Das dimensões invisíveis chega o socorro na hora certa, não na hora pedida. Vem com remédios sensatos curar as doenças abstratas que escurecem o coração. Chega tudo em silêncio discreto, muito cuidado e bom senso. Às vezes nem são necessárias palavras: já conhecem as causas pelos efeitos.
Das dimensões invisíveis pode-se tentar fugir, mas a certeza de suas existências está gravada fundo, em lugares de onde é impossível removê-la. Faz de toda tentativa de fuga uma bobagem infantil. Um jogo com horários marcados, e uma hora correta para tudo que precisa acontecer, com precisão. Como se o bolo já estivesse pronto muito antes que a receita fosse escrita.
Estranheza
O vento não soprou, a chuva não caiu. Nenhum som foi ouvido, a luz não se acendeu. O dia foi rápido, a noite nem veio. O sono perdeu o perfume, a cor sumiu da parede. O muro separou dois dos lados, o pó da construção invadiu os cômodos vazios. O conforto fez doer pela mesmice de si mesmo.
A paciência desapareceu, a esperança já se despediu. O vazio chegou com sua mobília invisível, fez dos restos sua nova morada. A razão expirou nos caminhos estranhos dos sentimentos. As nuvens se foram, as sombras são outras. O elo se partiu, a balança pendeu, o peso exagerou e tudo ficou diferente.
A paciência desapareceu, a esperança já se despediu. O vazio chegou com sua mobília invisível, fez dos restos sua nova morada. A razão expirou nos caminhos estranhos dos sentimentos. As nuvens se foram, as sombras são outras. O elo se partiu, a balança pendeu, o peso exagerou e tudo ficou diferente.
Econtros e despedidas
Mais próximos das distâncias, do que distantes da proximidade. É o efeito do contrário, que distrai o bom senso da similaridade, disfarçando a simplicidade com estranhos figurinos.
Mais distantes entre si por dentro do que próximos na física da presença: separados por muros e grades construídos com matérias abstratas, como julgamentos, ou temores.
Mais distantes entre si por dentro do que próximos na física da presença: separados por muros e grades construídos com matérias abstratas, como julgamentos, ou temores.
Inteligência
Sabemos que, no fim, quem vence é a inteligência. Senão não existiria a lógica, e a lógica já se provou que existe. Estamos um passo atrás, mas já conseguimos enxergar coisas, mesmo através de lentes embaçadas. A certeza disso fica gravada lá no fundo, em lugares que, às vezes, nem imaginamos existir dentro desses corpos surrados.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Parece que repete
Pode parecer que tudo se repete, mas a vida nada mais é do que uma constante repetição. Um círculo de mesmas coisas, das quais pouco absorvemos. E pode parecer que tem fim, mas cada fim é nada mais que um muito bem disfarçado recomeço.
Tintas e papéis
Sim, tudo tem um tempo certo, e tudo leva um certo tempo. Sim, os pontos se ligam, embora seja difícil traçar as linhas, embora seja difícil enxergar a tinta sobre o papel, quando ambos são da mesma cor. Sim, cada dia é apenas um grão da história.
Às vezes as perguntas não necessitam de respostas, porque simplesmente não é hora de perguntar. Às vezes as respostas passam despercebidas, porque simplesmente não é hora de entendê-las. Às vezes é preciso ficar parado para movimentar o que nos rodeia.
Às vezes as perguntas não necessitam de respostas, porque simplesmente não é hora de perguntar. Às vezes as respostas passam despercebidas, porque simplesmente não é hora de entendê-las. Às vezes é preciso ficar parado para movimentar o que nos rodeia.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Liberdade
A verdade voa certa, voa reta. Seta que fere, depois liberta. Quebra as correntes, desfaz as amarras. Traz de volta ao caminho certo as histórias erradas. Esclarece o coração no idioma correto, faz cair as paredes que pareciam concretas. Remove a sombra, descortina a descoberta.
A verdade lava a alma, desfaz o feitiço. Traz o fim das dúvidas do início. A verdade, quando fala, cala as bocas que iludem, quebra as pernas dos espertos. Tira-os de perto, de volta à suas casas. Limpa a imundície que confunde e abre caminho para o que interessa.
A verdade lava a alma, desfaz o feitiço. Traz o fim das dúvidas do início. A verdade, quando fala, cala as bocas que iludem, quebra as pernas dos espertos. Tira-os de perto, de volta à suas casas. Limpa a imundície que confunde e abre caminho para o que interessa.
Matéria sutil
A imensidão é muito grande para as partículas que somos, para o suor que suamos, os esforços que sangramos. A imensidão é muito espaço para o pouco som de nossas vozes, o curto alcance de nossas preces, os segredos que guardamos.
Os espaços do espaço estão repletos de distância, assim como o ar que nos sustenta. Estamos quase fora de alcance dentro das bolhas que sopramos. Os passos que nos aproximam são os mesmos que nos levam pra longe. Os abraços que trocamos são iguais aos que evitamos.
Mas o vazio que nos separa não pode ser mero desperdício. Não faz sentido que seja isso, seria apenas dor. É inevitável que exista algo que nos ligue, mesmo no meio de tanta vastidão. Isso quem diz é o coração: o que nos liga deve ser, tão somente, o amor.
Os espaços do espaço estão repletos de distância, assim como o ar que nos sustenta. Estamos quase fora de alcance dentro das bolhas que sopramos. Os passos que nos aproximam são os mesmos que nos levam pra longe. Os abraços que trocamos são iguais aos que evitamos.
Mas o vazio que nos separa não pode ser mero desperdício. Não faz sentido que seja isso, seria apenas dor. É inevitável que exista algo que nos ligue, mesmo no meio de tanta vastidão. Isso quem diz é o coração: o que nos liga deve ser, tão somente, o amor.
Amores elementares
O amor da terra é a semente. O amor da água, o sustento. O amor do fogo é o calor. E, o do ar, o movimento. O amor humano é o beijo, que no silêncio diz tudo ao coração.
Desejos
Desejamos novas flores, novos verdes, novas cores. Novas chuvas, novos ventos, boas lavouras. Desejamos novos amores e a renovação dos que já existem. Desejamos um longo intervalo para as dores. Desejamos novos sóis, novos calores. Novas ideias, novas vidas. Novos sentidos, palavras nunca lidas.
Desejamos tudo de bom para que haja reconstrução. Desejamos um sorriso, um abraço. Um momento de carícia, um amasso. Desejamos viver o que as outras estações nos roubaram: o calor do corpo, os voos zunidos, os corpos unidos, as cores quentes, listradas. As forças refeitas, o pólen nos ares, o fim das guerras.
Desejamos essa nova primavera.
Desejamos tudo de bom para que haja reconstrução. Desejamos um sorriso, um abraço. Um momento de carícia, um amasso. Desejamos viver o que as outras estações nos roubaram: o calor do corpo, os voos zunidos, os corpos unidos, as cores quentes, listradas. As forças refeitas, o pólen nos ares, o fim das guerras.
Desejamos essa nova primavera.
Breve verdade
Veio a vida nos ensinar que nas veias correm as velhas e novas ideias, as velhas e novas visões, fazendo voltar o que vai e levando embora o que vem. Vem a vida nos mostrar o que viemos fazer com os vícios e vieses que envazamos na alma: viver e reviver até que vejamos que tudo isso, finalmente, ficou para trás.
Eu, tu, todos
Queremos companhia, queremos compartilhar. Queremos dividir o indivisível, queremos fazer com que tudo seja possível. Queremos, simplesmente, aprender a amar.
Meio dia
O meio dia, o meio do dia, o meio de nós, o meio dos dias. A hora do encontro, almoço, despedida. A hora de todos, todos na linha. Os passos na rua, as vias do compromisso. O vai e vem de tudo, o movimento que sustenta o mundo. O mundo que nos sustenta em suas crônicas e musas. De tudo o que fazemos, não gostamos de tudo, mas tudo o que fazemos têm os dedos de nossas mãos. O suor de nossos corpos, o limiar de nossas mentes. Nossos corações, seus sentimentos despertos, seus desejos dormentes. O meio do dia divide o que temos por dentro, muda o dia por inteiro, muda tudo do seu jeito. Conta histórias diferentes, traz o fim de muita coisa, traz de volta muita gente. Divide nossa rotina como se fosse a noite e seus perfumes de travesseiro. O meio do dia é fator de movimento.
terça-feira, 20 de setembro de 2011
A luz dos anos
A luz dos anos foi se apagando, diminuindo. Minguou enquanto dormimos um sono estranho, de guerras e separações. A luz dos anos foi se escondendo daquilo que fomos nos tornando: um emaranhado de conflitos e distâncias.
A luz dos anos nos estuda mais do que nós mesmos, percebendo todas as nuances em nossas muitas mudanças. Nossas idas e vidas. A luz dos anos se distanciou, levando consigo sua grande sabedoria.
A luz dos anos nos estuda mais do que nós mesmos, percebendo todas as nuances em nossas muitas mudanças. Nossas idas e vidas. A luz dos anos se distanciou, levando consigo sua grande sabedoria.
A luz dos anos está agora a anos-luz.
Mas, um dia, vai voltar...
Coração e alma
O espírito liberto conduz a mente aberta para longe da confusão, para longe dos vazios da solidão. Por caminhos de curvas suaves, sem destino. Sem parada por cansaço, sem disfarce ou distração.
A liberdade do espírito está além de barras ou amarras, está além do que se entende. Está nas palavras verdadeiras, nas verdades do silêncio. Quietude sem temor, solidez que não se abala.
A liberdade do espírito está além de barras ou amarras, está além do que se entende. Está nas palavras verdadeiras, nas verdades do silêncio. Quietude sem temor, solidez que não se abala.
Uma pela outra
A vida espera a morte enquanto a morte espera a vida. Uma vive pela outra, sem mentira ou fantasia. Sem crenças infundadas, ou brincadeiras infantis. A fé e a falta de fé são caminhos parecidos, como o ódio é o amor fazendo-se invertido.
Mas o disfarce dura pouco: muito menos do que se imagina.
Mas o disfarce dura pouco: muito menos do que se imagina.
As pontas
De um extremo ao outro, da corda bamba ao conforto, do amor à promiscuidade, da presença à saudade. A humanidade se desfaz na falta do espírito, na fartura do vazio. Vai enterrando seus tesouros na areia que se move, escorrendo pelo tempo. Vai descendo as escadas de volta à escuros aposentos. Como numa nova Idade Média.
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Rotos
Talvez o que mais perturbe não é o pobre, mas a pobreza. Porque o pobre faz proeza, faz de tudo quase sem cobre. Faz o que dá, e o que não dá faz outra parte depois, quando der, se der, sabe-se lá. O pobre não perturba por educação, pensa no outro, no agora. Vive o agora, como se fosse a última hora. Vive fazendo, tudo tentando. E depois de tentar de tudo, tenta de novo.
Mas o que estraga o pobre é a pobreza. O pobre estado de pobreza em que se encontra a humanidade. É muita pobreza: pobreza espiritual, mental, natural. Material. Muitos tipos, muito peso. Muita falta de caráter, muita falta de vergonha. Muita falta de fortuna na alma. Muito pouca alma com que contar. Mas os dias desses contos estão contados, ouviu-se contar.
Mas o que estraga o pobre é a pobreza. O pobre estado de pobreza em que se encontra a humanidade. É muita pobreza: pobreza espiritual, mental, natural. Material. Muitos tipos, muito peso. Muita falta de caráter, muita falta de vergonha. Muita falta de fortuna na alma. Muito pouca alma com que contar. Mas os dias desses contos estão contados, ouviu-se contar.
domingo, 18 de setembro de 2011
Circensis
No último ato, a última dança, a dança de fato, o movimento das sombras. As sombras que enganam as luzes que falham, as falhas que encantam as sombras que amansam.
Na última trilha, a última pedra. A pedra que calça, de pedra, a linha que risca e rabisca, sempre dançando, fazendo dançar quem vem passando, braços abertos, se equilibrando.
Na última trilha, a última pedra. A pedra que calça, de pedra, a linha que risca e rabisca, sempre dançando, fazendo dançar quem vem passando, braços abertos, se equilibrando.
Ácido presente
A humanidade está em coma auto induzido, está repleta de verbos desnecessários. Está cheia de crimes e violências, perdendo os poucos restos de noção e decência. A humanidade está deixando escapar seu único tesouro. Está deixando de ser inteligente, matando pessoas. Criando só gente.
Desfibrilação
O que fala ao coração é o silêncio, o respeito, o caráter, a intuição. O que fala ao coração é o que não se ouve por aí. Não é rumor, não é notícia. Não é o vazio, nem a malícia. O que fala ao coração só pode vir de outro coração, senão é só ruído, nada que prenda, realmente, a atenção.
O que fala ao coração é a dedicação, é o carinho. É o querer bem, é o fazer bem o que melhor se sabe fazer. O que fala ao coração é quase nada do que temos a dizer. É quase nada do que tanto desejamos, é quase nada do que temos. É quase nada do que realmente percebemos.
O que fala ao coração é a dedicação, é o carinho. É o querer bem, é o fazer bem o que melhor se sabe fazer. O que fala ao coração é quase nada do que temos a dizer. É quase nada do que tanto desejamos, é quase nada do que temos. É quase nada do que realmente percebemos.
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
O que não é
Parece que a fonte seca, e parece que as folhas secam. Parece o inverno, mas então este já se foi. Parece cinza, mas é outra cor. Parece coração, mas é só razão. A razão do concreto, das formas retas, do serrilhado do horizonte. Parece hoje, mas foi ontem. Parece isso, mas é outra coisa.
Parece um vazio, mas se estivesse mesmo vazio, não haveria dentro o que há. Parece mais do que se consegue explicar. Complicado, mas não é. É o chão, é o céu. É como ser absolvido e continuar sendo réu. Parece o que não é, mas o que não é, é bem diferente do que parece.
Parece que não tem forma, feito nuvem em cima de nuvem. Parece que não para, feito vento súbito. Parece certeza, mas é dúvida. Parece liberdade, mas é dívida. Difícil de saldar, fácil de acumular. Como cúmulos acumulados que anunciam chuva forte. Parece que é chuva, mas é só garoa.
Parece um vazio, mas se estivesse mesmo vazio, não haveria dentro o que há. Parece mais do que se consegue explicar. Complicado, mas não é. É o chão, é o céu. É como ser absolvido e continuar sendo réu. Parece o que não é, mas o que não é, é bem diferente do que parece.
Parece que não tem forma, feito nuvem em cima de nuvem. Parece que não para, feito vento súbito. Parece certeza, mas é dúvida. Parece liberdade, mas é dívida. Difícil de saldar, fácil de acumular. Como cúmulos acumulados que anunciam chuva forte. Parece que é chuva, mas é só garoa.
As cordas
As cordas tocam, e prendem. Sustentam, e se arrebentam. Amarram, e mantém. Vibram, e bambeiam. Esticam, e penduram. Dão voltas, machucam. Enforcam, e afrouxam. E, quando caem, libertam.
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Gramática
De que matéria é feita ninguém sabe, porque o que se sabe é o que todo mundo já sabe. Mas, saber é uma coisa. Entender, é outra.
Tudo o que é bonito, é feminino. É a cor, é a luz. É tudo o que uma curva traduz. Podem vir raios ou trovões, quem manda mesmo é a tempestade.
Substantivo feminino: perturbação atmosférica violenta, ligada aos movimentos verticais do ar. O ar que se respira desde o primeiro momento.
É tudo, o ar.
Tudo o que é bonito, é feminino. É a cor, é a luz. É tudo o que uma curva traduz. Podem vir raios ou trovões, quem manda mesmo é a tempestade.
Substantivo feminino: perturbação atmosférica violenta, ligada aos movimentos verticais do ar. O ar que se respira desde o primeiro momento.
É tudo, o ar.
Fluxo constante
Vai e vem, vem e vai. Diz que chegou, e já se foi. Volta, e torna. E torna a voltar o que já foi. E a coisa vai fluindo, em fluído movimento. Leva anos, leva um segundo, leva o momento na rapidez do rompimento. E flui seus caminhos, indiferente ao que se mente.
Assimétrico
Entre tantas páginas em branco, entre tantas linhas vazias, entre tanto espaço entre planetas, entre tantas ruas, casas e rostos. Entre tudo o que não se vê ou se toca. É lá. É lá que está.
A nova fase, o novo abraço. O novo afago, o novo novo, a nova história. É lá que ela mora, no vazio, entre todas as coisas, entre tudo o que somos e tudo o que fazemos. Ou não.
A nova fase, o novo abraço. O novo afago, o novo novo, a nova história. É lá que ela mora, no vazio, entre todas as coisas, entre tudo o que somos e tudo o que fazemos. Ou não.
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Cardíaco
Não é o dia que está triste por estar cinzento, porque estar cinzento é das naturezas dele. E ele nunca se entristece por ser ele mesmo, não importa como seja. Quem se importa são os outros, os que pensam... Que pensam. Eles ficam tristes, porque acham que é complô da escuridão se encontrar com a luz pra formar o cinza. Ou vice-versa. Vice-versa?
Não é o vento que está frio, porque ser frio é das naturezas dele. E ele, como o dia, passa feliz. Por que? Ainda não aprendemos a ler o vice-versa que nos versa tanta ilusão. As naturezas só falam ao coração. Mas pobre do coração, que resolveu nos emprestar os ouvidos... Que tal dar-lhe de volta os ouvidos para que voltemos a ouvir sua razão?
Não é o vento que está frio, porque ser frio é das naturezas dele. E ele, como o dia, passa feliz. Por que? Ainda não aprendemos a ler o vice-versa que nos versa tanta ilusão. As naturezas só falam ao coração. Mas pobre do coração, que resolveu nos emprestar os ouvidos... Que tal dar-lhe de volta os ouvidos para que voltemos a ouvir sua razão?
Clareza
Ninguém é o que gostaria de ser até que consiga tornar-se o que sonhava ser quando era criança.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Brincadeira
O que é, o que é? Que faz o que bem entende com quem não entende nada dessa coisa de viver em harmonia com tudo o que existe? É o egoísmo acobertado que recobre suas vítimas com fantasias disfarçadas de brincadeiras infantis.
O que é, o que é? Que leva para guerras infundadas quem só quer sossego depois de horas e mais horas de trabalho? É o medo exacerbado do fracasso fabricado por mentes tão dementes que desaprenderam o sentido único da verdade.
O que é, o que é? Que faz como se fosse aquilo que se esquece de tudo o que acontece nesses dias que correm tão depressa? É a pressa pela fuga almejada das rotinas que engolem as horas necessárias para que tudo seja feito.
O que é, o que é? Que finge que engana a quem engana a si mesmo, fazendo jogo duro contra a razão e o bom senso? É a falta de bom senso que persegue o tempo inteiro todos aqueles que desejam, simplesmente, fazer a coisa certa.
O que é, o que é? Que leva para guerras infundadas quem só quer sossego depois de horas e mais horas de trabalho? É o medo exacerbado do fracasso fabricado por mentes tão dementes que desaprenderam o sentido único da verdade.
O que é, o que é? Que faz como se fosse aquilo que se esquece de tudo o que acontece nesses dias que correm tão depressa? É a pressa pela fuga almejada das rotinas que engolem as horas necessárias para que tudo seja feito.
O que é, o que é? Que finge que engana a quem engana a si mesmo, fazendo jogo duro contra a razão e o bom senso? É a falta de bom senso que persegue o tempo inteiro todos aqueles que desejam, simplesmente, fazer a coisa certa.
Abstrato insensato
Nos ângulos retos, do chão ao teto, a poeira voa o voo do silêncio. Voa e acha refúgio no pouso seguro, deixando opaco o móvel que não se move há anos. Não se move, imutável dentre todas as mudanças que movem esse mundo tão jovem, tão cheio de coisas que nos enchem, preenchendo os vazios que colecionamos durante vidas tão curtas, diante de palavras absurdas que criamos para todos, para tudo: para o cego, para o surdo.
Nas curvas dos corpos que tanto admiramos, estejam eles suspensos no vácuo ou andando nas ruas, perdemos os rumos que pensamos dar ao que achamos puro. Na pureza da inocência que afogamos em nossos sussurros, na essência do medo que guardamos do escuro, repousa a matéria que nos mantém tão seguros, tão humanos, tão sozinhos. A matéria que usamos para construir nossas paredes e muros, que nos isolam em nossos próprios mundos.
Nas retas e curvas, ângulos e parábolas, apogeus e perigeus, nos pontos que não se ligam, ou que ligam o nada ao lugar algum. Em algum lugar que já não conseguimos mais lembrar, em algum canto dos lugares que tanto fazem falta, se esconde o que há muito só assusta: a resposta da pergunta, a solução do problema, a teoria que conspira contra o senso do que é bom, a verdadeira arquitetura do sistema. O sistema que criamos, e que precisamos destruir.
Nas curvas dos corpos que tanto admiramos, estejam eles suspensos no vácuo ou andando nas ruas, perdemos os rumos que pensamos dar ao que achamos puro. Na pureza da inocência que afogamos em nossos sussurros, na essência do medo que guardamos do escuro, repousa a matéria que nos mantém tão seguros, tão humanos, tão sozinhos. A matéria que usamos para construir nossas paredes e muros, que nos isolam em nossos próprios mundos.
Nas retas e curvas, ângulos e parábolas, apogeus e perigeus, nos pontos que não se ligam, ou que ligam o nada ao lugar algum. Em algum lugar que já não conseguimos mais lembrar, em algum canto dos lugares que tanto fazem falta, se esconde o que há muito só assusta: a resposta da pergunta, a solução do problema, a teoria que conspira contra o senso do que é bom, a verdadeira arquitetura do sistema. O sistema que criamos, e que precisamos destruir.
terça-feira, 6 de setembro de 2011
Voltas
De volta em volta, de rodeio em rodeio, rodeiam as palavras que não querem calar. Rodam, rodam, mas não pousam, não se fazem ouvir. Só ficam girando pelo ar preso na garganta, um espaço muito restrito, mas onde cabem muitas coisas. Tantas coisas que é melhor nem falar.
Diário
Querido diário, não sei onde foi parar a lembrança que eu tinha pra hoje, porque hoje eu resolvi não me lembrar de nada. Porque toda vez em que eu tentava me lembrar de algo, lembrava de algo que não queria lembrar.
Querido diário, talvez seja melhor não falar mais com você. Porque você sabe demais a respeito de quem não lhe diz tanto respeito, porque você não respeita muito os medos e incertezas que preenchem suas linhas tão retas.
Querido diário, acho que vou lhe matar. Porque você, no final das contas, guarda todas as contas que eu não queria contar. Vou rasgar suas folhas silenciosas, cheias de segredos que se mantém perversamente secretos.
Querido diário, talvez seja melhor não falar mais com você. Porque você sabe demais a respeito de quem não lhe diz tanto respeito, porque você não respeita muito os medos e incertezas que preenchem suas linhas tão retas.
Querido diário, acho que vou lhe matar. Porque você, no final das contas, guarda todas as contas que eu não queria contar. Vou rasgar suas folhas silenciosas, cheias de segredos que se mantém perversamente secretos.
Relógio de corda
A idade se deita sobre as costas dos desavisados, espreguiçando-se entre os anos e vidas que envelheceram sem querer, sem amar, sem saber que dentro de si é que residiam as vidas que tentaram viver fora, e jogaram fora.
As barbas se alongam, os cabelos se acinzentam, as rugas já não brincam mais de esconde-esconde. O que se esconde é a certeza disfarçada de que tudo não passa de um passado que ficou no rascunho, rabiscado, amarelado.
As barbas se alongam, os cabelos se acinzentam, as rugas já não brincam mais de esconde-esconde. O que se esconde é a certeza disfarçada de que tudo não passa de um passado que ficou no rascunho, rabiscado, amarelado.
Chamas
Ardem os dias e noites em que velamos os mortos que, enquanto vivos, tentaram viver. Como nós, que tentamos escolher, entre tantas escolhas, as que nos permitem volver. Voltar ao começo de tudo, e depois de tudo, ser capaz de vencer.
Ardem nos peitos as ilusões que inventamos, porque a realidade nos é difícil encarar. Mas as invenções que criamos sofrem das falhas que sofremos, e não sobrevivem por muito tempo. Assim como nós, que vivemos tão pouco o nosso pouco tempo.
Ardem nos peitos as ilusões que inventamos, porque a realidade nos é difícil encarar. Mas as invenções que criamos sofrem das falhas que sofremos, e não sobrevivem por muito tempo. Assim como nós, que vivemos tão pouco o nosso pouco tempo.
A guia
Perdi o caminho, o tempo me engoliu. Me enganou, me deixei enganar. Dei ouvidos aos mudos, calei o que podia falar. Perdi o caminho, e o caminho mentiu. Me disse que ia, mas me fez esperar. Me fez de idiota de tanto voltar. Voltou ao começo que eu tanto temia. Fiz de mim mesmo andarilho sem guia.
Estrelas
Brilham fugazes em luzes e gases, anos luz de onde estamos, enquanto estamos perdidos. Alguns dizem que já morreram, e na morte encontraram forma de viver, enquanto vamos vivendo, lutando para encontrar uma forma de morrer.
Caminhadas sem passos
Todos os anos, os mesmos meses, os mesmos dias, as mesmas horas. As mesmas frases, da boca pra fora. Os mesmos gestos, como os de agora. Os mesmos vícios, tudo igual. Todos iguais, cada qual é o tal. Todos os anos, um “olá” e um “tchau”.
Todas as ruas levam ao centro, todo afluente flui ao vento. Todo veneno tem seu antídoto, todo humano mata seu ídolo. Toda paixão se esclarece, todo amor um dia esmorece. Toda flor tem sua cor, todo bem querer carrega sua dor.
Tudo o que temos, pensamos que temos. Mas não temos nada além do que sentimos, ou fazemos. É o preço dos dias que temos aqui: ser o que somos, parar ou seguir. Pra frente ou pra trás entre os meios e fins.
Todas as ruas levam ao centro, todo afluente flui ao vento. Todo veneno tem seu antídoto, todo humano mata seu ídolo. Toda paixão se esclarece, todo amor um dia esmorece. Toda flor tem sua cor, todo bem querer carrega sua dor.
Tudo o que temos, pensamos que temos. Mas não temos nada além do que sentimos, ou fazemos. É o preço dos dias que temos aqui: ser o que somos, parar ou seguir. Pra frente ou pra trás entre os meios e fins.
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Os vãos
Tenta-se forçar as peças para que se encaixem, mas esse é trabalho vão, como é vão querer ir contra o que precisa acontecer.
A última mentira
Sempre que o fingimento se encontra com a verdade, acontece o intervalo. O silêncio entre as palavras, o meio do caminho entre o começo e o fim. A meia volta, a volta inteira. O verdadeiro valor do que é verdadeiro. A verdade sobre os dois lados, os frágeis laços que se desfazem.
Sempre que uma verdade é omitida, outra verdade se revela. Sutil e silenciosa, ela encontra seu caminho entre os dentes de quem mente. Não importa se é por necessidade, ou se é por conveniência. O irreal se desfaz de repente, embora possa ter sido planejado com muito do cuidado.
Sempre que uma verdade é omitida, outra verdade se revela. Sutil e silenciosa, ela encontra seu caminho entre os dentes de quem mente. Não importa se é por necessidade, ou se é por conveniência. O irreal se desfaz de repente, embora possa ter sido planejado com muito do cuidado.
Ponta de estoque
O preço das coisas que queremos vai além das aparências que mantemos, em nossos jogos desatentos, em nossa inveja pelo alheio. A vida passa na incansável perseguição que alimenta os anseios por mais coisas, coisas maiores, degraus mais altos, atalhos e saltos. E, enquanto isso, a simplicidade cai no esquecimento, no buraco negro que engole tudo, de dentro para fora.
Ânsia
Falta de concentração, imagem desfocada. Falta de noção, insatisfação disfarçada. Disfarces disponíveis para o tudo ou nada. E quase nada atinge grande profundidade. Problemas com o espelho, problemas com a idade. Há muita coisa que é pouca pra saciar nossa grande ansiedade.
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Senhas
É uma pra cada cartão, é uma pra todos, e outra pra um. É um minúsculo resumo do que é sempre muito importante. É a resposta de várias perguntas importantes. É o segredo não muito secreto que vez ou outra escapa. É a proteção, é o ponto fraco. É o que dá livre acesso a tudo que nos pertence. Inclusive o coração.
Interferências
... sim, estamos aqui... Alô? shhhhhh -- Sim, Terra -- fffsssshhhhhamamos há anos, mas nunca houve resposhhhhh... Gostaríamos, todos, de algumas resposhhhhh sofremos demais à toa, e à toa sofremos demaisfsssshhhhh...
... sim, achamos que já estamos prontos... Olá? Ah... então, só estamos pedindo que apareçam, quando dershhhhh... porque já estamos cansados de pouco aprenderfsssshhhhh... Alô? Ffsssshhhhhacho que vamos precisar de ajushhhh...
... sim, achamos que já estamos prontos... Olá? Ah... então, só estamos pedindo que apareçam, quando dershhhhh... porque já estamos cansados de pouco aprenderfsssshhhhh... Alô? Ffsssshhhhhacho que vamos precisar de ajushhhh...
Pulsos
Olá? Estamos aqui, estamos em casa. Espero que saibam onde é que fica. Estamos sentados, deitados, em pé. Estamos tentando enxergar tudo o que é, e não é. Estamos pedindo demais e entregando de pouco, estamos um pouco dispersos, distraídos com os giros do globo. Alô? Alguém?
Nuca
É quente, gostoso, envolvente. É névoa que voa nos ventos, pelos topos das árvores, voando veloz e eterno, num eterno raro momento. Existe e inexiste ao mesmo tempo em que seus perfumes ganham texturas. Tão sólidas que vão e que voltam, respiração adentro. E vive em luzes e cores: fortes, vibrantes, calmas, escuras. Carrega consigo o gosto do cheiro, e o cheiro do gosto. E carrega saudade, ansiedade e repouso. É tudo de si, nada de outros.
Infinitivos
Receber, entregar. Dosar, saber. Sentir, deixar. Pensar, pedir. Sair, viajar, voltar... chegar, ver, sorrir. Corrigir, crescer, engatinhar. Andar, correr, abraçar. Ficar, morar. Saber, amar. Dizer, calar. Cantar, subir. Voar, respirar. Transpirar, deduzir. Expor, impor, dispor... sentar, relaxar, ouvir.
sábado, 6 de agosto de 2011
Mágica
A mágica misteriosa funciona o tempo todo, age sobre tudo, permeia todos os espaços, os vagos, os ocupados, ocupa os mesmos espaços como se fosse imune às leis da física. A mágica sai das cartolas invisíveis e move nossos corpos, move os outros corpos, dos menores aos colossais, em movimentos de um milímetro, ou de vários milhões. A mágica tem seus sons, perfumes e cores sob absoluto controle. Nunca falha, nunca se cansa.
A mágica nasce e morre nos nascimentos e mortes que nos comovem, e também nos que nos passam despercebidos. A sutileza de seus movimentos faz tudo parecer normal, para que possamos nos concentrar no que realmente interessa. A mágica misteriosa trabalha seus mistérios em nosso favor e em favor de si mesma, como se tivesse inteligência suficiente para fazer dos encontros marcados, simples coincidências.
Por isso é preciso abrir bem os olhos, os ouvidos. Aprimorar o tato. Permitir que a compreensão se liberte das amarras dos nossos planos. Juntar os pedaços, reunir o que separamos. Entender que o que sabemos é exatamente o que precisamos, mesmo que pareça pouco, porque é de cada pouco que se faz o muito. E muito do que nos queixamos é apenas o que não entendemos. A mágica misteriosa é mesmo cheia de mistérios...
A mágica nasce e morre nos nascimentos e mortes que nos comovem, e também nos que nos passam despercebidos. A sutileza de seus movimentos faz tudo parecer normal, para que possamos nos concentrar no que realmente interessa. A mágica misteriosa trabalha seus mistérios em nosso favor e em favor de si mesma, como se tivesse inteligência suficiente para fazer dos encontros marcados, simples coincidências.
Por isso é preciso abrir bem os olhos, os ouvidos. Aprimorar o tato. Permitir que a compreensão se liberte das amarras dos nossos planos. Juntar os pedaços, reunir o que separamos. Entender que o que sabemos é exatamente o que precisamos, mesmo que pareça pouco, porque é de cada pouco que se faz o muito. E muito do que nos queixamos é apenas o que não entendemos. A mágica misteriosa é mesmo cheia de mistérios...
Uma conjunção essencial
Se o nosso amor não fosse pouco, teria durado para sempre, e não teria sempre soado como promessa soprada, nem seria soprado pela brisa de qualquer promessa. Se o nosso medo não fosse muito, teria acontecido muito do que sonhamos, e os sonhos continuariam sendo o alimento que mais gostamos.
Se a nossa vontade não fraquejasse, fortes seriam as chances de sabermos o que fazer quando fosse necessário fazer algo, ou apenas ficar quieto. Se nossa necessidade de criar opostos que se atraiam não fosse tão necessária, menos iguais viveriam sem saber o que é ser necessário.
Se a nossa verdade fosse mesmo inflexível, não haveriam as meias verdades que contamos a nós mesmos. Se tivéssemos o costume de ler os manuais que nos são dados, teríamos aprendido a fazer o que precisávamos fazer. Mas não dizemos que sempre é hora para começar?
Se a nossa vontade não fraquejasse, fortes seriam as chances de sabermos o que fazer quando fosse necessário fazer algo, ou apenas ficar quieto. Se nossa necessidade de criar opostos que se atraiam não fosse tão necessária, menos iguais viveriam sem saber o que é ser necessário.
Se a nossa verdade fosse mesmo inflexível, não haveriam as meias verdades que contamos a nós mesmos. Se tivéssemos o costume de ler os manuais que nos são dados, teríamos aprendido a fazer o que precisávamos fazer. Mas não dizemos que sempre é hora para começar?
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Trégua
Sem que fôssemos vítimas, fomos condenados. Sem que fôssemos juízes, condenamos. Sem que fôssemos pacientes, ouvimos. Sem que ouvíssemos, perdemos a paciência. Sem que estivéssemos em guerra, preparamos nossas armas. Nos escondemos nas trincheiras, rastejamos pelos campos de batalha. Atiramos, erramos. Sem que fôssemos soldados, perdemos companheiros, territórios. Criamos monstros, traumas.
Sem que esperássemos, chegaram os finais. Sem que quiséssemos, os inícios se pareciam. Sem que percebêssemos, fomos os responsáveis. Sem que sentíssemos, nos percebemos perambulando entre os fatos e pessoas, como se estivéssemos cegos pelos brilhos estranhos das coisas que reluzem. Sem que precisássemos, fomos levados a viver coisas que não desejávamos. Mas sobrevivemos. Um dia após o outro.
Sem que esperássemos, chegaram os finais. Sem que quiséssemos, os inícios se pareciam. Sem que percebêssemos, fomos os responsáveis. Sem que sentíssemos, nos percebemos perambulando entre os fatos e pessoas, como se estivéssemos cegos pelos brilhos estranhos das coisas que reluzem. Sem que precisássemos, fomos levados a viver coisas que não desejávamos. Mas sobrevivemos. Um dia após o outro.
Simiumanos
O que nos difere dos símios é nossa incrível capacidade de ter fé e fazer boas coisas, assim como nossa incomparável capacidade de destruir o ambiente de nossas próprias vidas.
Carne
Nos debatemos na insana luta diária que criamos. Como se debatem quaisquer seres fora de seus elementos. Como se debatem as criaturas que não enxergam mais os criadores. É enfrentando nossas próprias criações que nos vemos perdidos, como se não fôssemos mais suficientes para manter suas existências.
É a tortura da rotina que leva nossa carne à traição, porque nossas rotinas demandam carne, não coração. Demandam prazos, ao invés de duração. São construídas para a demanda, não para contentamento. Somos prisioneiros da distorção que emprestamos ao nosso endeusado conhecimento.
E nos esquecemos das voltas do mundo, e do tempo que se encurta. Ignoramos as correções que estão a caminho para corrigir nossos desmandos. Não há ação sem reação, não há falha sem solução. Não há como fazermos o que quisermos sem que haja uma consequência. Não há futuro para nossa inconsequência.
É a tortura da rotina que leva nossa carne à traição, porque nossas rotinas demandam carne, não coração. Demandam prazos, ao invés de duração. São construídas para a demanda, não para contentamento. Somos prisioneiros da distorção que emprestamos ao nosso endeusado conhecimento.
E nos esquecemos das voltas do mundo, e do tempo que se encurta. Ignoramos as correções que estão a caminho para corrigir nossos desmandos. Não há ação sem reação, não há falha sem solução. Não há como fazermos o que quisermos sem que haja uma consequência. Não há futuro para nossa inconsequência.
Diferentes vazios, diferentes silêncios
Quando se está vazio, o vazio já não assusta mais. Ele fica pra depois, pra quando nos enchemos de nós mesmos outra vez. Mas, enquanto isso, o intervalo é de paz, a paz tão difícil de conseguir num mundo tão difícil, entre tantas ilusões, entre tantas distrações.
Quando se faz silêncio, o silêncio já não assusta mais. Ele fica preso nos ruídos que ficaram para trás. Pelo menos até que voltemos a dar ouvidos ao que não deve ser ouvido, até que percamos novamente a concentração. E isso, num mundo tão difícil, é fácil de acontecer.
Quando fazemos um esforço, por menor que seja, a dificuldade já não assusta mais. Isso abre portas, revela caminhos, traz novo brilho ao que era velho, torna velho o problema. É preciso apenas estar vazio, e absorver a novidade. E é preciso fazer silêncio, para ouvir a voz do coração.
Quando se faz silêncio, o silêncio já não assusta mais. Ele fica preso nos ruídos que ficaram para trás. Pelo menos até que voltemos a dar ouvidos ao que não deve ser ouvido, até que percamos novamente a concentração. E isso, num mundo tão difícil, é fácil de acontecer.
Quando fazemos um esforço, por menor que seja, a dificuldade já não assusta mais. Isso abre portas, revela caminhos, traz novo brilho ao que era velho, torna velho o problema. É preciso apenas estar vazio, e absorver a novidade. E é preciso fazer silêncio, para ouvir a voz do coração.
Quando basta
Quando algo está distante, basta estender as mãos. Quando algo está obscuro, basta ouvir a voz da intuição. Quando algo está se rompendo, basta lembrar se foi difícil construí-lo.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Velocidade
E os dias vão se amontoando, e nem se importam se seus começos dependem dos fins de outros dias, que passam e se desfazem na memória da história. Só fazem olhar adiante, indiferentes aos anseios que carregamos, indiferentes aos pedidos que fazemos para que durem mais.
É isso o que faz de nós tão pequenos: a falta de controle sobre o que nos controla sem querer, pelo simples fato de existir, pelo simples fato de nos obrigarmos, sem razão, a dar nome ao tempo, e também dar a ele essa absurda velocidade, que tanto nos apavora.
É isso o que faz de nós tão pequenos: a falta de controle sobre o que nos controla sem querer, pelo simples fato de existir, pelo simples fato de nos obrigarmos, sem razão, a dar nome ao tempo, e também dar a ele essa absurda velocidade, que tanto nos apavora.
Deslumbre
Nos deslumbramos com nossos feitos, nossas viagens e invenções. Descobrimos coisas incríveis, mudamos tudo em que colocamos as mãos. Mudamos o mundo, para que se pareça conosco. Bancamos os gênios, mas na vergonha, escondemos o rosto. Dizemos que tudo sabemos, mas tudo o que sabemos, ainda é muito pouco.
Inventamos mentiras, guerras, preconceitos. Separamos o que estava junto, e quando nos cansamos, juntamos tudo de novo. Levantamos muros, cavamos trincheiras, sepultamos os vivos anônimos, cultuamos os que matamos à toa. A distância que nos separa de tudo está repleta de tudo o que pensamos que somos.
Inventamos mentiras, guerras, preconceitos. Separamos o que estava junto, e quando nos cansamos, juntamos tudo de novo. Levantamos muros, cavamos trincheiras, sepultamos os vivos anônimos, cultuamos os que matamos à toa. A distância que nos separa de tudo está repleta de tudo o que pensamos que somos.
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
Sobre dores no peito
O que faz doer o coração não é a dúvida, e sim a certeza, porque a certeza não traz esperança. Não traz nada além de si: o fato, que nos deixa fartos de sua fria existência, despertando as revoltas que carregamos de tempos passados, que não passamos a limpo, apenas deixamos de lado.
O que faz doer o coração não é a dor em si, mas o golpe. A pancada que apaga o norte, a pontada que perfura a sorte que imaginamos viver. Mas a dor que dói no coração, se não nos mata, é a que nos faz acordar do sono fingido da razão, que só faz consumir o que precisamos viver de bom.
O que faz doer o coração não é a dor em si, mas o golpe. A pancada que apaga o norte, a pontada que perfura a sorte que imaginamos viver. Mas a dor que dói no coração, se não nos mata, é a que nos faz acordar do sono fingido da razão, que só faz consumir o que precisamos viver de bom.
Rosas e anjos
Nem pediu licença e foi chegando, devagar mas sempre em frente, frente a frente com o que se pensava antes: que isso jamais aconteceria outra vez. Foi chegando e se acomodou, tirou as roupas da mala e fez de outra sua própria casa. Chegou com cheiro de viagem, poeira de uma estrada por onde ninguém mais passava. Chegou ao destino raro, cuja existência vinha sendo, há tempos, ignorada.
Chegou e pôs a mesa, abriu os armários, achou o que precisava. Acendeu o fogo, preparou o que queria, fartou-se da ausência que empoeirava os dias e tomou seu lugar, com solidez e autoridade. Espantou os fantasmas, pôs pra correr os demônios, insinuou seus desejos, obteve suas respostas. Mostrou sua parte da verdade, esticou as pernas e se instalou no lugar que, até então, estava vago.
Chegou e pôs a mesa, abriu os armários, achou o que precisava. Acendeu o fogo, preparou o que queria, fartou-se da ausência que empoeirava os dias e tomou seu lugar, com solidez e autoridade. Espantou os fantasmas, pôs pra correr os demônios, insinuou seus desejos, obteve suas respostas. Mostrou sua parte da verdade, esticou as pernas e se instalou no lugar que, até então, estava vago.
Rebanho
Esse comportamento de rebanho, que nos arrebanha, nos transforma em massa deformada, conformada e sem pudores, nos limitando às linhas pontilhadas dos mapas da ignorância, um dia precisa acabar.
Admiração
É de admirar o quanto ainda nos admiramos com as coisas mais simples, as coisas mais fáceis, as coisas mais lógicas, a lógica da vida. É de admirar o quanto ainda nos admiramos com a ignorância que levamos conosco para todos os cantos, para todas as conversas, para todos os santos. Quanto mais percebemos que tudo depende de pouco, mais tentamos fazer, e fazendo tanto, erramos. E disso, nem nos tocamos.
É de admirar o quanto ainda gostamos de tudo o que nos desgasta, de tudo o que nos afasta de tudo o que queremos perto de nós. Mas também é de admirar o quanto ainda tentamos, mesmo aos trancos e barrancos, mesmo depois de tudo que perdemos ou roubamos. É de admirar essa força de vontade, que vem não se sabe de onde, mas que nos leva adiante. Mesmo tropeçando nas pedras, não desistimos.
É de admirar o quanto ainda gostamos de tudo o que nos desgasta, de tudo o que nos afasta de tudo o que queremos perto de nós. Mas também é de admirar o quanto ainda tentamos, mesmo aos trancos e barrancos, mesmo depois de tudo que perdemos ou roubamos. É de admirar essa força de vontade, que vem não se sabe de onde, mas que nos leva adiante. Mesmo tropeçando nas pedras, não desistimos.
Boa música
A boa música entra nos ouvidos e segue seu caminho até o coração, que já bate diferente, nos deixa diferentes e nos difere dos iguais. A boa música é como o cheiro de pele que vira perfume, que vira costume, que vira presença, lembrança, saudade. Nos vira do avesso, de pernas pro ar. Nos deixa loucos de oxigênio, roucos de gritar. Nos faz esquecer do que dói tanto lembrar. E nos lembra do que esquecemos: é preciso sonhar.
A boa música toca sempre nos fones de ouvido, porque ninguém mais precisa escutar, escutamos até enjoar, mas não enjoamos e vivemos cantando as letras que falam de nós, falam pra nós, falam pros outros exatamente o que queremos falar. A boa música nos cala quando quer, tem vontade própria e bem nos entende. A boa música é a que nos leva desse mundo para o mundo em que ela reina absoluta.
A boa música toca sempre nos fones de ouvido, porque ninguém mais precisa escutar, escutamos até enjoar, mas não enjoamos e vivemos cantando as letras que falam de nós, falam pra nós, falam pros outros exatamente o que queremos falar. A boa música nos cala quando quer, tem vontade própria e bem nos entende. A boa música é a que nos leva desse mundo para o mundo em que ela reina absoluta.
Falta
Falta é ausência, vazio. É a abstinência, que leva a razão à falência. É o nada que vira algo, que vira tudo, por qualquer motivo. A falta é o meio para os fins, é o resultado do fim. É o medo que temos por você, ou por mim.
A falta é o intervalo silencioso entre o que tínhamos e o que não temos mais. Entre o fazer muito pouco e o fazer um pouco demais. A falta é apenas a transfiguração da presença que sentíamos tempos atrás.
A falta é o intervalo silencioso entre o que tínhamos e o que não temos mais. Entre o fazer muito pouco e o fazer um pouco demais. A falta é apenas a transfiguração da presença que sentíamos tempos atrás.
Sensações
Se todo beijo fosse o primeiro, não haveria lugar para o último. A mesma coisa seria com o passo, o desejo, o conforto, o abraço. Os amores, os laços. O começo de tudo o que é novo, a renovação de tudo o que é velho. A sensação de voltar para casa, e ter alguém à espera.
Se todo olhar fosse o primeiro, não haveria lugar para o último. E não haveria mais despedida, lágrima, soluço, chance perdida. Já seria o bastante para melhorar bastante essa vida. Se não houvesse mais o último, o primeiro seria, para sempre, o único tema da rima.
Se todo olhar fosse o primeiro, não haveria lugar para o último. E não haveria mais despedida, lágrima, soluço, chance perdida. Já seria o bastante para melhorar bastante essa vida. Se não houvesse mais o último, o primeiro seria, para sempre, o único tema da rima.
Auto pressão
A pressão é grande, todos os dias, consumindo às vezes horas, às vezes virtudes. Seus pesos entortam as forras, aprisionando as forças da vítima. A pressão age em silêncio, esgueirando-se entre obrigações e responsabilidades, espremendo as vontades dentro do peito. Espalha-se nas vidas como se fosse inocente, e muitas vidas mudam muito, às vezes até para sempre.
Venenos próprios
Estamos cheios de venenos, distrações. Desvios, disfunções. Coisas da vida, coisas da vida. Coisas de tudo quanto é coisa que nos limita, nos sufoca, nos engole. Destilamos nossos venenos no vendaval diário, no vai e vem de tudo quanto é coisa que vai e vem, qualquer coisa, qualquer alguém.
Estamos na contramão envenenada das emoções oscilantes, com passos curtos, vacilantes. Queremos demais ver os depois antes dos antes. Por que tudo foge? Por que tudo finge? Na contramão as curvas ficam do outro lado do que aprendemos, então falha a lembrança, assim como falha o esquecimento.
Estamos cheios de tudo. Tudo é muita coisa para carregar. Muita coisa pra fazer, prometer, consertar. É muita tralha, muita falha. Deixemos pra lá. Há ainda os dias que não vieram, e eles virão, quer queiram, quer não. Estamos cheios dos venenos que inventamos pra nós mesmos.
Estamos na contramão envenenada das emoções oscilantes, com passos curtos, vacilantes. Queremos demais ver os depois antes dos antes. Por que tudo foge? Por que tudo finge? Na contramão as curvas ficam do outro lado do que aprendemos, então falha a lembrança, assim como falha o esquecimento.
Estamos cheios de tudo. Tudo é muita coisa para carregar. Muita coisa pra fazer, prometer, consertar. É muita tralha, muita falha. Deixemos pra lá. Há ainda os dias que não vieram, e eles virão, quer queiram, quer não. Estamos cheios dos venenos que inventamos pra nós mesmos.
sexta-feira, 29 de julho de 2011
É, chega...
Chega uma hora em que é preciso mastigar, ruminar até cansar, e entender, que nem tudo é pra você. Perceber que uma parcela lhe cabe, de alguma forma, em algum tempo, por algum motivo. Todos nós temos um papel, e é preciso desempenhar, ao invés de se esconder. É preciso ter o troco pronto, corresponder. Covardia tem limite, paciência também tem.
Chega uma hora em que o sonho não é sonho, e é preciso acordar, abrir os olhos, perceber a vida correndo nas veias. É preciso ter sangue nas veias pra remover as teias que confundem, as sensações que diluem enquanto vazam as razões. Vazam por vazar, por descuido, falta de uso, por muito uso, por todos os que usam de tudo para usar e abusar de tudo e de todos.
Chega uma hora em que é preciso abrir os olhos. Acordar.
Chega uma hora em que o sonho não é sonho, e é preciso acordar, abrir os olhos, perceber a vida correndo nas veias. É preciso ter sangue nas veias pra remover as teias que confundem, as sensações que diluem enquanto vazam as razões. Vazam por vazar, por descuido, falta de uso, por muito uso, por todos os que usam de tudo para usar e abusar de tudo e de todos.
Chega uma hora em que é preciso abrir os olhos. Acordar.
Peça viva
Cantam as cordas, dançam os baixos, gritam os altos. Quando o silêncio agride mais do que o grito agudo, ou o grunhido contido, é hora do tiro, hora do salto. A rápida saída dessa saída abstrata de ausência que silencia a própria vida. Hora de rever o que foi visto desde o início.
Bambam as cordas, tropeçam os passos, corre o palhaço, morto de cansaço. O nariz na mão, a estampa sem pompa, o sorriso apagado. Apaga o picadeiro, desarma a balaustrada. É sempre bom o começo da estrada, mas cansam os buracos da paisagem.
A euforia da viagem favorece o viajante, quanto mais atrás, mais adiante. Vai e vem na onda do vento, brisa, fúria, dispersão. Vivemos suspensos nas certezas da lição. Vamos que vamos que a esperança não cai, não. Morre o palhaço e a palhaçada, mas não morre a encenação.
Bambam as cordas, tropeçam os passos, corre o palhaço, morto de cansaço. O nariz na mão, a estampa sem pompa, o sorriso apagado. Apaga o picadeiro, desarma a balaustrada. É sempre bom o começo da estrada, mas cansam os buracos da paisagem.
A euforia da viagem favorece o viajante, quanto mais atrás, mais adiante. Vai e vem na onda do vento, brisa, fúria, dispersão. Vivemos suspensos nas certezas da lição. Vamos que vamos que a esperança não cai, não. Morre o palhaço e a palhaçada, mas não morre a encenação.
Perfume de noite dormida
Eu não sei se ontem tem a ver com hoje, e se hoje tem a ver com amanhã, se é véspera de chegada ou de partida, se é apenas reminiscência inconcebível. Se é permitido ou impossível. Eu não sei se é ou não é, se fico ou se dou no pé. Só sei que é muito estranho do jeito que é.
Eu sei que tudo tem a ver, e que eu tenho a ver com tudo. Que tudo se parte, assim como tudo se liga. É a mágica que nos une a mesma que nos inclina. Talvez a acreditar nas coisas que não são de verdade, trocando as verdades por mentiras. O mistério da mágica, ninguém ensina.
Eu não sei se foi ontem, e se foi hoje, já não sei mais também. O que vem, vai embora e então volta outra vez. Parece o mar que não se cansa em mandar onda, enquanto lhe convém. Uma após a outra, por mim ou por você. Por todos, por ninguém. A mágica do mistério nos faz tão bem.
Eu sei que tudo tem a ver, e que eu tenho a ver com tudo. Que tudo se parte, assim como tudo se liga. É a mágica que nos une a mesma que nos inclina. Talvez a acreditar nas coisas que não são de verdade, trocando as verdades por mentiras. O mistério da mágica, ninguém ensina.
Eu não sei se foi ontem, e se foi hoje, já não sei mais também. O que vem, vai embora e então volta outra vez. Parece o mar que não se cansa em mandar onda, enquanto lhe convém. Uma após a outra, por mim ou por você. Por todos, por ninguém. A mágica do mistério nos faz tão bem.
Fases
Sem mais nem menos, com pouco tato, chega a notícia tão esperada: somos culpados, mais que inocentes. Somos os loucos arrastando as correntes. Fazendo barulho, pra lá e pra cá. Somos adultos, que coisa incoerente. Tentamos de tudo, e quando somos... Não somos.
Não queremos ser. A infância é a melhor fase da vida. Mas que frase “preferida”, tão repetida. Nas festas, reuniões, despedidas. Não, definitivamente não queremos ser. Estamos cheios de si, e isso é muito si para os sacos que temos. Sim, perdemos as paciências.
E o tempo? O tempo galopa, célere, altivo, ciente do trabalho perfeito que conserta os defeitos, e deixa as coisas mais brandas. E ele ensina muitas coisas. Primeiro, que esse é apenas o primeiro momento. Depois as coisas ficam mais brandas, sob seus misteriosos encantos.
Mas a infância ainda é a melhor fase da vida.
Não queremos ser. A infância é a melhor fase da vida. Mas que frase “preferida”, tão repetida. Nas festas, reuniões, despedidas. Não, definitivamente não queremos ser. Estamos cheios de si, e isso é muito si para os sacos que temos. Sim, perdemos as paciências.
E o tempo? O tempo galopa, célere, altivo, ciente do trabalho perfeito que conserta os defeitos, e deixa as coisas mais brandas. E ele ensina muitas coisas. Primeiro, que esse é apenas o primeiro momento. Depois as coisas ficam mais brandas, sob seus misteriosos encantos.
Mas a infância ainda é a melhor fase da vida.
Terreno instável
A vida vai pregando suas peças, uma por uma, no quebra-cabeças. De leve, com força, rápido, torturante. Temos muitos nomes para essas peças. Temos peças para cada nome, e cada nome significa alguma coisa para nós. Não falo por ninguém, apenas falo pela vida. E ela prega suas peças.
Lendas
Foge de mim, qual menina assustada, de susto em susto, na mesma toada, a resposta que eu quero. Eu pergunto e pergunto, às vezes mudo de assunto, mas sempre reluto em mentir à mim mesmo a mesma mentira que contamos aos outros: que somos, aos poucos, traídos pelos desesperos que nos causam as traições com as quais açoitamos a nós mesmos.
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Condições
Estamos todos com os sacos muito cheios. São as tralhas que encontramos, e às vezes recolhemos, pior quando as guardamos. E nesses pesos tão pesados vivem tanto os inocentes quanto os condenados. Vivem as bagunças das famílias, as pessoas esquisitas. O bilhete premiado, o prêmio indesejado. Tem de tudo nesses sacos: pequenos micos, grandes sapos. E outros bichos que não queremos nem lembrar dos nomes, de tão chatos que eles foram.
Estamos todos com muitas coisas a fazer. Fazemos o possível com tantos mortos e feridos, exilados tão temidos. Reações exageradas, paixões desenfreadas. Tudo junto sobre os ombros, tão diferentes do que sonhamos em noites de outros tempos. E, às vezes, nem faz tanto tempo assim. Mas vamos andando na corda bamba. E, como segurança, apenas uma corda no pescoço.
Estamos todos com muitas coisas a fazer. Fazemos o possível com tantos mortos e feridos, exilados tão temidos. Reações exageradas, paixões desenfreadas. Tudo junto sobre os ombros, tão diferentes do que sonhamos em noites de outros tempos. E, às vezes, nem faz tanto tempo assim. Mas vamos andando na corda bamba. E, como segurança, apenas uma corda no pescoço.
Quatro e quinze
Do parapeito da janela dá pra ver a cidade, as pessoas, as luzes, as sombras. Dá pra ver os carros e os prédios. A euforia e o tédio. O movimento de tudo o que se movimenta, e de tudo que permanece estático. Estático por natureza, estático por necessidade.
De cima do telhado dá pra ver os pipas e suas linhas, que cortam como se fossem feitas de vidro moído. Dá pra ver a criançada correndo os perigos, nas vielas e avenidas, como se fossem nós mesmos diante da idade temida. Tememos a volta, mais que a partida.
De longe dá pra ver quão longe estamos do que está perto de nós. E dá pra ver que nós é que somos os cegos tentando desatar esses nós. Os nós que nós damos em nossas vidas, fazendo delas as rotinas que nunca mais nos deixam em paz.
Do paralelo desse mundo dá pra ver o quanto ainda engatinhamos, mesmo nos assuntos mais simples, pelo simples fato de estarmos presos a nós mesmos, desde o primeiro calendário.
Do espelho dá pra ver quantas tentativas já fizemos, enquanto nossos traços vão mudando, sofrendo os efeitos da física das rotinas. E não podemos desistir.
De cima do telhado dá pra ver os pipas e suas linhas, que cortam como se fossem feitas de vidro moído. Dá pra ver a criançada correndo os perigos, nas vielas e avenidas, como se fossem nós mesmos diante da idade temida. Tememos a volta, mais que a partida.
De longe dá pra ver quão longe estamos do que está perto de nós. E dá pra ver que nós é que somos os cegos tentando desatar esses nós. Os nós que nós damos em nossas vidas, fazendo delas as rotinas que nunca mais nos deixam em paz.
Do paralelo desse mundo dá pra ver o quanto ainda engatinhamos, mesmo nos assuntos mais simples, pelo simples fato de estarmos presos a nós mesmos, desde o primeiro calendário.
Do espelho dá pra ver quantas tentativas já fizemos, enquanto nossos traços vão mudando, sofrendo os efeitos da física das rotinas. E não podemos desistir.
Poucos e muitos
Pouco importa se vivemos pouco. Vivemos apenas o tempo que temos que viver. E depois morremos. E sentimos medo, um medo irracional das palavras que inventamos para descrever as mudanças que sofremos. Pouco importa o que dizemos, porque nossas palavras mal traduzem nossa ignorância: dizem apenas o que sabemos. E isso é muito pouco, por mais que pensemos que seja muito. É quase nada. É nada além do que somos por dentro, em forma de palavras.
Muito importa se vivemos muito. Porque então aproveitamos bem o tempo que mal percebemos passar. E passamos a perceber que o futuro é agora, porque sem agora não existe futuro, somente passado. E paramos de morrer de medo de conjugar os verbos nos tempos corretos, com as pessoas certas, no singular ou no plural. Matamos o medo e vivemos o tempo no tempo exato, da forma que ele realmente passa, sem passar mal pelos que ficam ou ficar mal pelos que passam.
Muito importa se vivemos muito. Porque então aproveitamos bem o tempo que mal percebemos passar. E passamos a perceber que o futuro é agora, porque sem agora não existe futuro, somente passado. E paramos de morrer de medo de conjugar os verbos nos tempos corretos, com as pessoas certas, no singular ou no plural. Matamos o medo e vivemos o tempo no tempo exato, da forma que ele realmente passa, sem passar mal pelos que ficam ou ficar mal pelos que passam.
Ontem, hoje e sempre
O hoje é mais um caminho de ida nas voltas que damos em volta dos anos que vivemos ou deixamos escapar. O que escolhemos durante o intervalo entre o antes e o depois define o que será da próxima volta: se vai ou se volta, se é papo ou história. No fim, sem fim, tudo depende apenas de nós. Pode ser que isso seja um perigo, mas há perigo em tudo no mundo para os cegos, surdos e mudos que nos tornamos quando viramos adultos.
O hoje é o único caminho que pode nos levar à saída, à escada de incêndio, à porta de emergência. O hoje é o que emerge dos dias que se foram, dos dias em que fomos, de onde relutamos em voltar. Mas é preciso voltar, e ir em frente, e caminhar. Encontrar à nossa frente o que perdemos lá atrás. Viver e reviver, e o cansaço, ignorar. Porque o hoje, de repente, pode não ser mais a véspera do amanhã, como sempre planejamos, mas nunca vivemos.
O hoje é o único caminho que pode nos levar à saída, à escada de incêndio, à porta de emergência. O hoje é o que emerge dos dias que se foram, dos dias em que fomos, de onde relutamos em voltar. Mas é preciso voltar, e ir em frente, e caminhar. Encontrar à nossa frente o que perdemos lá atrás. Viver e reviver, e o cansaço, ignorar. Porque o hoje, de repente, pode não ser mais a véspera do amanhã, como sempre planejamos, mas nunca vivemos.
Banquete
A miséria é farta mesmo para quem tem a mesa farta, porque a miséria do espírito humano persegue a cegueira de nossos corações, trazendo consigo os preconceitos e intolerâncias que guardamos escondidos até que algo ameace nossas falsas concepções de certo e errado.
A miséria é inerente ao ser humano, principalmente agora que resolvemos substituir pensadores por administradores, filósofos por políticos, políticos por ladrões. A miséria é mais do que fome. A miséria é a dor que todos sentimos quando nos percebemos sem direção.
A miséria é inerente ao ser humano, principalmente agora que resolvemos substituir pensadores por administradores, filósofos por políticos, políticos por ladrões. A miséria é mais do que fome. A miséria é a dor que todos sentimos quando nos percebemos sem direção.
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